O CRÃTICO E O CRIATIVO
[CENTRO][B]O CRÃTICO E O CRIATIVO[/B]
[CENTRO]* Luciano Pires [/CENTRO]
Em minha palestra ?O Meu Everest?, trato dos desconfortos da caminhada que fiz até o Acampamento Base do Monte Everest em 2001, enfrentando caminhadas de mais de oito horas, banheiros deploráveis, frio, tonturas e vômitos. Ainda no Brasil, durante minha preparação psicológica para a aventura, considerei duas opções para encarar a viagem. Eu poderia adotar aquele ponto de vista tão comum a nosso dia-a-dia: o crÃtico, que nos faz analisar, usar a lógica. O ponto de vista crÃtico tem como base a negação: observamos as coisas com ceticismo, negamos, criticamos, destruÃmos e então fazemos nossas escolhas. Mas o olhar crÃtico seria uma opção perigosa. Imaginei-me usando a lógica nos sanitários do Everest....
A segunda opção era o ponto de vista criativo, quando usamos a percepção, desenhamos e exploramos. O ponto de vista criativo tem como base a inspiração. Nos momentos da viagem em que eu não me agüentava em pé, quando o frio era insuportável, o ar rarefeito, os enjôos permanentes, eu dava uma parada. Olhava para cima e via uma cadeia espetacular de montanhas, algumas com mais de oito mil metros de altura, cobertas de neve. Uma delas era o Everest, com sua crista de gelo soprando ao vento.
E então uma voz me sussurrava: ?à meu, olha só onde você está! Na trilha do Everest! No sonho da sua vida! Tem que doer! Tem que ser difÃcil! Vencer essa dificuldade faz parte da trilha!?. E eu ganhava novo ânimo para seguir em frente. Tivesse optado por entrar na viagem com o olhar crÃtico, da negação, ela nem teria começado. Foi o olhar criativo, inspirado, que transformou uma viagem que seria um inferno na maior experiência de minha vida.
Eu voltaria para lá mil vezes, sofrendo tudo outra vez...
A maioria das pessoas não entende isso, não consegue assimilar a idéia de passar frio, correr riscos e entregar-se a um sofrimento fÃsico quase insuportável, ?para nada?. E ainda achar legal!
Essas são as pessoas que optam pelo olhar crÃtico. Apenas crÃtico.
Um olhar necessário, que no final das contas é o que nos mantêm vivos.
Mas só o olhar crÃtico é perigoso... Faça um teste.
Esta noite, assista o Jornal Nacional. Veja o Willian Bonner e a Fátima Bernardes apresentando o Brasil dos noticiários e depois responda: que olhar eles usam para descrever o Brasil? O crÃtico ou o criativo?
Com a maior parte do programa focada nas tragédias, nos crimes, no desrespeito às leis e nas malandragens cotidianas, a resposta é fácil, né?
Todo dia somos expostos a uma visão violentamente crÃtica do Brasil. Todos os dias. De manhã. à tarde. à noite. CrÃtica, crÃtica, crÃtica.
Existem motivos para um olhar tão crÃtico? Claro que sim. Mas não podemos nos submeter a um olhar só crÃtico. Eu, do alto de meus 51 anos tenho condições de assistir a televisão, ler os jornais, ouvir o rádio e filtrar o que é bom, útil, motivador. Sei separar a verdade da mentira. Sei onde estão as tentativas de manipulação. E sei que o retrato real do Brasil não é aquele que está sendo apresentado.
Mas e meu filho de 24 anos? Minha filha de 17? O filho de oito anos de meu amigo? A sobrinha de seis anos de minha colega?
Que percepção de paÃs está sendo criada na cabeça deles quando o único olhar possÃvel é o crÃtico? Que percepção tem sido sistematicamente construÃda ao longo dos últimos trinta anos? A do paÃs miserável, de ladrões, de enganadores, incompetentes. O paÃs da violência e da impunidade. O paÃs no qual não vale a pena estar...
Por isso a viagem dos brasileiros dói. à dura. Feia. Insuportável.
Só quando aprendermos a compensar o olhar crÃtico com uma boa dose de olhar criativo é que a viagem passará a valer a pena
Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.[/CENTRO]
...