A dor da sobrevivência
Menino, homem, herói... Como saber classificar um garoto de 16 anos que se salva de uma tragédia e ainda tem a coragem de enfrentar a dor, o medo, o perigo e o inferno de um ônibus em chamas para tentar ajudar a seus semelhantes. Esta é a história do jovem Lerói Ramos Grumble, de apenas 16 anos, que saiu de Porto Velho e fazia parte do grupo CJS RO (Coletivo Jovem pela Sustentabilidade de Rondônia) que vinha para uma conferência na cidade de Ouro Preto do Oeste.
Lerói foi uma das vítimas do trágico acidente entre um ônibus da empresa Gama Transportes, de Porto Velho, e uma carreta de transporte de combustível ocorrido na sexta-feira (11 de julho de 2008), nas proximidades do município de Ouro Preto do Oeste, e que tirou a vida de vinte e uma pessoas, provocando muita dor, angústia e sofrimento nos parentes das vitimas e nos sobreviventes da tragédia.
O ônibus levava vários grupos de jovens para participar de uma conferência sobre o meio ambiente denominada ?Rede Cidadã Ambiental? e saiu de Porto Velho por volta da meia-noite, sendo que, segundo Lerói, parou apenas duas vezes antes do acidente. ?A primeira foi para pegar uma menina em Candeias e a segunda vez foi em um posto minutos antes do acidente, onde todos vimos que o motorista estava com muito sono. Ele parou, tomou café, deu alguns pulos para espantar o sono, mas, mesmo sabendo que não tínhamos nenhuma pressa, decidiu que era melhor seguir viagem?, lembra.
O ACIDENTE ? ?Na hora do acidente acredito que devíamos estar todo mundo dormindo, tanto é que nem sequer cheguei a ouvir o barulho da batida. Provavelmente desmaiei, pois bati com a cabeça muito forte, e só acordei com uma colega me chacoalhando e quando percebi, vi que estava totalmente ensangüentado. Quando me dei conta do que estava acontecendo, o ônibus já havia batido e a parte frontal tinha entrado toda para dentro. No desespero, vi que precisávamos sair daquele ônibus antes que ele explodisse?, relata ainda muito emocionado e comovido.
?No desespero, queríamos sair correndo. Mas não tinha como. A gente tinha que pular por cima das cadeiras, já que todas estavam fora do lugar por causa do impacto da batida... Ainda tentei acordar um amigo meu, que dormia no banco ao meu lado, mas ele não respondeu... Acho que provavelmente já tinha falecido, achei que ele estava inconsciente, pois havia batido a cabeça?, conta o menino.
?Alguém me agarrou e me puxava para fora, mas aí lembrei que no banco ao lado ainda havia um bebê, e consegui ver ele dentro de uma cesta, chorando muito. Tentei chegar até lá e salvar o bebê, mas quando cheguei perto às chamas já tinham atingido o local e as perninhas dele já estavam pegando fogo. O ônibus já tinha sido tomado pelo fogo, e ali eu decidi que era preciso tentar ajudar salvar as pessoas que eu podia ter certeza que ainda estavam vivas, já que, por causa do óleo diesel, o fogo se alastrava forte e muito rapidamente?, narra Lerói sem esconder a tristeza.
?Consegui sair por uma fresta da porta que estava toda amassada, e quando saí do ônibus, a cadeira que eu estava sentado pegou fogo em questão de segundos. Aí vi também que havia pessoas pegando fogo e que ainda pulavam da janela. A gente correu para ajudá-las, pois tínhamos que arrastar todas elas antes que o ônibus explodisse. Gente queimada, com fraturas expostas, mas tínhamos que puxá-las de qualquer forma. Foi quando aconteceu a primeira explosão do ônibus, que chegou a se levantar do chão, e o fogo cobriu tudo em volta?, conta, enfatizando que o local estava muito escuro e que só era possível enxergar alguma coisa por causa das labaredas de fogo. ?As pessoas estavam muito machucadas e choravam desesperadas. Tentei manter a calma para poder ajudar, mas aí senti o meu pescoço muito dolorido, e por causa desta dor, que me fez encolher, vi que também havia machucado a perna, foi quando percebi que minha calça havia pegado fogo, queimando um pouco de minhas nádegas. Exausto e com muita dor, entendi que não podíamos fazer mais nada, enquanto todo mundo chorava de dor e desespero, ficamos deitados na beira do asfalto esperando algum tipo de ajuda?, recorda Lerói, que chora quando lembra de que ficou vendo o fogo destruir o ônibus e queimar os corpos de seus amigos que não tinha conseguido escapar como ele.
O SOCORRO - Lerói conta ainda que, aos poucos, os moradores vizinhos, bem como carros que passavam e ainda um caminhoneiro que passou pelo local do acidente, interditaram a BR-364 para que outros veículos ajudassem a socorrer as vítimas da tragédia, até a hora em que os bombeiros e a Polícia Rodoviária chegaram ao local. ?A primeira coisa que fiz foi pedir aos bombeiros para que socorressem as pessoas mais machucadas em primeiro lugar, principalmente aquelas que tinham queimaduras mais graves. Apesar do susto e da dor, eu tinha certeza que estava bem, e só pensava em como eu tinha conseguido sair vivo de dentro daquele ônibus?.
Com o socorro chegando, as vítimas foram encaminhadas ao hospital municipal de Ouro Preto, onde foram informadas que não havia estrutura suficiente para socorrer a todos, sendo que sete vítimas tiveram de ser encaminhadas para o hospital municipal de Ji-Paraná. ?Na hora eu pensei que era mais importante salvar pessoas como o meu amigo Francisco, que estava todo queimado, e até a coordenadora dos grupos no ônibus, Vânia, que pulou do ônibus na hora do fogaréu e teve fratura exposta nas pernas. Eu podia esperar um pouco mais?, conforma-se.
?Ainda hoje, sofro muito pensando nas pessoas que perderam a vida nesse acidente e nas outras que sofrem por irresponsabilidade do motorista. Eu não consigo esquecer o bebezinho que morreu queimado na minha frente, e que eu não pude fazer nada. È grande a dor de ter de sair e deixado amigos morrerem queimados, sem pode fazer nada. Se eu não tivesse acordado ou se eu tivesse tentado ficar para salvar o bebezinho, que já estava pegando fogo, o ônibus teria explodido e eu também teria morrido. Eu me machuquei, saí queimado, perdi todas as minhas coisas, só salvei meu CPF, meu RG e meu celular, mas apesar de todo o trauma, de toda a dor, ainda tenho de me considerar uma pessoa de sorte: não perdi a vida?, fala Lerói, que confessa ainda que a pior dor que sente, é lembrar que não conseguiu ajudar mais pessoas, e diz que o seu desejo agora é poder reencontrar posteriormente as pessoas que, como ele, também sobreviveram ao acidente.
MISSÃO ? A mãe de Lerói, Ana Maria Ramos que estava viajando para Goiânia, onde participava de um congresso, quando aconteceu o acidente com seu filho, abandonou tudo e voltou rapidamente para Rondônia, e disse que, apesar de tudo, está feliz com as atitudes, pois acredita que ele deve ter uma missão muito especial para cumprir. ?Ele tem uma missão muito especial aqui na terra. Uma missão de amor, de vida. Deus tem um propósito para cada um de nós, e se ele não pode salvar a todos que estavam dentro do ônibus, pelo menos ajudou fazendo a parte dele. Sobre o futuro de Lerói, ele disse não saber, mas sabia o dela: ?eu já ganhei meu presente de natal?, disse a mãe visivelmente emocionada.
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