BÁRBARO NU
[B][CENTRO]BÁRBARO NU[/CENTRO]
[CENTRO]* Luiz Eduardo Cheida[/CENTRO]
Um dos efeitos mais temidos do aquecimento global é a acidificação dos oceanos.
As águas salgadas funcionam como um aspirador de pó, sugando o excesso de gás carbônico (CO2) emitido pelas atividades humanas. Nos oceanos, este gás forma o ácido carbônico (H2CO3) de acordo com a seguinte equação: CO2 + H2O = H2CO3.
Entretanto, na água, o ácido carbônico dissolve o carbonato de cálcio (CaCO3), que é a matéria-prima dos esqueletos dos corais, conchas de moluscos e carapaças de diversas algas.
Ora, se estruturas de carbonato de cálcio são formadas de cálcio e carbono, então os esqueletos e carapaças dos organismos marinhos são um mecanismo natural de seqüestro de carbono. Isso quer dizer que, sem esse seqüestro, a capacidade de absorção de CO2 pelos mares fica comprometida. E o mundo fica ainda mais quente.
E não é só da atmosfera que chegam as moléculas de CO2. Elas invadem as águas através das chaminés vulcânicas submarinas o tempo todo, tornando a água ainda mais ácida.
Em algumas ilhas mediterrâneas da Itália, em águas próximas a estas chaminés, já se constata a morte de 30% das espécies de corais e ouriços-do-mar se comparadas a águas de acidez normal. Nestes locais, há uma verdadeira invasão de algas verdes, provocando um rearranjo do ecossistema local.
Esta alterações de fauna e flora era o que os cientistas projetavam para os mares no final do século, quando o gás carbônico tivesse tornado os oceanos mais ácidos!
Ou isso já está ocorrendo ou é uma pista do que acontecerá.
Por isso, não foi com surpresa que, dia desses, deitado nas areias mediterrânicas da ilha de Ischia, coçando meu bicho-de-pé da maior estimação, ouvi uma alga Chlorella, atracar-se em mortal combate verbal com uma terminal concha bivalve:
- Que bárbaro nu! Pelada, assim, em plena luz do dia? ? disse, cínica.
- Deus! Estou tão transparente assim?
- Mais do que deveria, minha filha ? criticou a alga. E, sorvendo mais um gole de gás carbônico: ? O que aconteceu?
- Eu sei? Estão dizendo que o mar azedou.
- Ficou mais ácido, você quer dizer...
- Que seja! O caso é que, quanto mais venho a estas águas, mais leve me sinto.
- Pudera! Sua concha está se dissolvendo.
- Jura? ? gritou horrorizada a concha bivalve, tomando ciência do que lhe acontecia.
- É só querer enxergar. Seu primo, ali, era vermelho, não é mesmo? ? apontou para um dismilingüido molusco disforme ? Hoje, está cinzento e cheio de buracos. Você já esteve como ele e, agora, nem mais concha tem ? arrematou com a voz carregada de desprezo.
- O que farei, Chlorella? ? suplicou a conchinha.
- Top-less! É tudo o que lhe resta fazer ? sorriu amarelo, tentando amenizar a acidez das próprias palavras e a dramática situação da amiga.
Porém, a pequena concha não mais ouvia. Seus pensamentos haviam dissipado-se tal qual seu corpo dissolvido, agora misturado ao monótono verde em que se transformara o colorido da paisagem local.
E, como há bilhões de anos, a microscópica Chlorella voltou a ficar só.
* Chlorella: alga verde microscópica, que usa gás carbônico para sintetizar seu alimento. Originada há 3 bilhões de anos, é uma das primeiras formas de vida de nosso planeta.
* Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. [/B]
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