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O BATRÁQUIO
[CENTRO][B]O BATRÁQUIO[/B] [CENTRO]* Luis Eduardo Cheida[/CENTRO] Um espectro ronda os anfíbios ? o espectro da extinção! Sapos, rãs, pererecas, cobra-cegas e salamandras somam 4 mil espécies conhecidas. Todavia, 100 delas desapareceram só nos últimos 30 anos. Adaptados, estes primeiros vertebrados terrestres dominaram a terra há 250 milhões de anos. Entretanto, para a maioria a adaptação não foi completa: ainda hoje, eles precisam voltar à água para se reproduzir. Assim, vivem em dois mundos. Iniciam a vida na água, como ovos e girinos, aí transformam-se em jovens e, finalmente, mudam o endereço para terra firme, onde tornam-se adultos. O começo da estação das chuvas é o início da estação reprodutiva. Os sapos adultos descem dos locais secos para os riachos e lagoas. No final da estação chuvosa, fazendo o caminho inverso dos pais, os jovens sapinhos deixam o riacho e sobem à procura de algum fragmento florestal. Nos últimos anos esta migração tornou-se arriscada, pois as áreas entre a água e a floresta não são mais contínuas. O homem rompeu a unidade da mata. De um lado, o habitat dos girinos; de outro, o ambiente dos sapos adultos. Esta provocada desconexão faz com que os jovens tenham que atravessar pastagens inóspitas, com capim alto, vacas e predadores. Roças de milho e bananais. Condomínios e estradas. Quando a floresta era contínua esta ameaça não existia. A pior desconexão para anfíbios é a que destrói a mata ciliar porque desconecta a água da floresta. Além disso, provoca assoreamento. Quando as desconexões aumentam, os anfíbios declinam. Não é mera coincidência. Poluentes como chuva ácida, agrotóxicos e fertilizantes causam mutações. Áreas de extensivo uso de venenos contém sapos, rãs e salamandras com maior taxa de mutação. O Roundup, da Monsanto, feminiliza larvas, reduzindo as taxas de sua sobrevivência. Peixes exóticos, plantas invasoras e até anfíbios exóticos como a norte-americana rã-touro, que está se disseminando pela Mata Atlântica, ameaçam sapos, rãs e pererecas nativos. Raios ultra-violeta-B, que aumentam com o buraco na camada de ozônio, retardam a taxa de crescimento, reduzem a imunidade e provocam má-formações e mudanças comportamentais. As mudanças climáticas deixam secas as áreas que são vitais para a reprodução dos anfíbios. Como não bastasse, o mortal fungo Batrachochytrium dendrobatidis tem provocado a quitridiomicose, doença que mata anfíbios em massa. Este fungo de nome estranho dá a paulada final, pois quem já os baqueou pra valer foi a espécie humana. Aliás, é de humana e poética nobre alma, os sensíveis versos: BATRÁQUIO À noite, ao astral palor das estrelas na altura, ao coaxar das rãs monótono nos brejos, sai vagaroso e triste, em corcovos cortejos, o sapo, o vil batráquio, a imunda criatura! Anfíbio, venenoso, ovíparo, a estatura não lhe mede jamais seus íntimos desejos. Tem despeito do céu! ? e ulula uns vãos arpejos à toalha astral de crivo estrelejada e pura! Tão baixo que ele o é! Tão pequenino e imundo! E olha e divide e anseia andar, mundo por mundo, aos saltos bruscos por a constelada esfera! Calcula a força e o grau do seu profundo gozo, se de um salto pudesse, ele, tuberculoso! cuspir, babar a são poliestelar quimera! Este gentil semelhante é o poeta alagoano Alves de Faria, nascido em 1871 quando, na terra das palmeiras, ainda cantava o sabiá. Ressabiado, Uélinton, meu prezado inglês, escreve: - Se um poeta, de quem espera-se sensibilidade, refere-se ao batráquio como algo vil, venenoso, imundo e tuberculoso, absurdo e monstruoso, que será do sentimento do resto de sua gente? Na mesma linha enfezada, Diéssica, minha secretária quase americana: - Alguém aí se importa com o destino dos anfíbios?! - O povo, com honrosas exceções, quer que o sapo se exploda! ? dá, em silêncio, seu ponto de vista, uma visionária cobra-cega. Um forte abraço e até semana que vem. * Palor: palidez. * Quimera: monstro cabeça de leão, corpo de cabra, cauda de dragão/fantasia/ilusão/sonho/absurdo [/CENTRO] ...


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