Das câmaras e dos empórios
*Petrônio Souza
A vereança deveria ser, na política, uma das atividades mais nobres, o princípio de uma vocação, a certeza de representar e legislar para o bem comum, a representatividade encarnada e vivida. Diariamente lado a lado com o eleitor, com vida da família brasileira nos bairros, distritos e municípios deste imenso Brasil, onde vive e vota o cidadão, o vereador deveria cumprir uma das mais belas missões, de resignação e entrega ao bem comum. No entanto, são os que parecem mais distantes da realidade de seus municípios e do eleitor que sempre lhe dá o voto de confiança, àquele que o representa diretamente.
Brasil afora, em pequenos, médios e grandes municípios e sempre a mesma história encenada e repetida, para desilusão maior da população. Os escândalos são vários, sempre envolvendo os privilégios do poder e as benesses do cargo.
Quando o grande empresariado quer alterar um regimento municipal para o bem de seus investimentos, não mede esforços para aliciar vereadores e obter êxito em seus projetos, como sempre se vê nas pequenas e grandes cidades. Para cada legislatura, pelos menos um escândalo desses vem à tona. Em outras situações, vetam determinado projeto para valorizar o voto em uma próxima consulta. O princípio é sempre o mesmo, em detrimento de muitos para o privilégio de poucos, tudo contrário ao que deveria ser a vereança e sua causa.
Entre a população e o prefeito estão os vereadores fiscalizando o dia a dia nos municípios e suas gestões, o poder executivo sob a vigília do legislativo. Isso requer uma relação de independência e comprometimento cívico, uma austeridade política pouco vista em nosso país nos últimos anos. As câmaras municipais têm muito de nossa sociedade, tão múltiplas em sua origem e tão iguais em seus propósitos...
A eleição dos vereadores não é um passaporte da realidade em que viviam para um Olimpo de privilégios. Não! Eles, que se valem sempre de nomes populares e muitas vezes vexatórios para reafirmar sua origem e sua ligação com as comunidades, ignoram, quase sempre, ao primeiro instante, essa identidade e passam a legislar em causa própria, o que vai culminar com o aumento do salário. Fazem da pobreza, a sua riqueza. Dos gabinetes das câmaras municipais, a extensão de seus empórios.
Hoje, são 59.500 vereadores no Brasil legislando sobre seus salários, contando sempre com a chancela do prefeito de cada cidade ao final de cada aumento acordado. Isso faz com que a relação entre câmaras e prefeituras caminhe mais para um jogo de benefícios mútuos e acordos velados, tudo contrário a uma relação que deveria ser de independência e comprometimento com a causa pública e as reivindicações das comunidades.
Argumentam a seu favor que a Constituição Federal, em seu artigo 37, assegura que os valores para esses vencimentos são definidos conforme o contingente populacional de um determinado município. O salário não poderá será mais que 40% do subsídio destinado aos deputados estaduais. Para municípios com mais de 500 mil habitantes, fica estipulado o valor de 75% do salário dos deputados estaduais.
Pela atuação no dia a dia das cidades e suas periferias, os vereadores brasileiros deveriam ser os primeiros a distinguir a grande diferença existente entre o que é legal e o que é moral. Parece que a eleição lhes deixa sem esse senso crítico, tão bem partilhado pelo senso comum que um dia o reconheceu como representante direto de determinado parcela de nossa sociedade.
Cada cidade escolhe, a cada eleição municipal, os cidadãos que se destacam em determinadas funções e o elegem vereadores. Depois de eleitos, em um equívoco de avaliação, o outrora cidadão deixa de ser um escolhido representante popular e passa a ser político, colocando seus privilégios à frente dos daqueles que o escolherem. Cabe a cada eleitor, com o poder de escolha de seu voto, demitir na urna o mau representante que outrora elegeu.
*Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor.
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