Mudança de hábito
Mudança de hábito
Luiz Gonzaga Bertelli (*)
Em Dois Córregos, minha terra natal no interior paulista, ainda costuma-se dizer que o hábito faz o monge. A ironia se esconde, claro, no duplo sentido da primeira parte da sentença, que pode significar tanto a vestimenta quanto os costumes do clérigo. A depender do hábito dos nossos jovens, é de preocupar a qualidade de sua formação, pelo menos no quesito consumo. A dúvida surge com uma pesquisa realizada pelo instituto Quorum Brasil sobre o relacionamento dos estudantes com o dinheiro, divulgada no segundo semestre de 2007.
Foram ouvidos 400 adolescentes, entre 14 e 17 anos, de classes abastadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Entre os paulistas, 63% afirmam que dinheiro é bom para gastar, número que sobe para 74% entre os cariocas. Do total, apenas 9% (São Paulo) e 3% (Rio) entendem que investimento pode significar poupança a ser aplicada nos estudos ou na faculdade. Esses dados confirmam a tendência detectada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontou que brasileiro gasta mais com carro do que com educação. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), o valor destinado a cursos, escolas ou aquisição de material didático nas famílias em que o responsável pelo domicílio tem o ensino médio completo (11 anos ou mais de estudo) corresponde a 4,9% do orçamento contra 10,8% destinado à aquisição de veículos ou combustível.
Talvez essa seja uma outra face do triste imediatismo e da valorização dos bens materiais que invadiram a sociedade nos últimos tempos. As decisões ? em âmbito pessoal, empresarial ou governamental ?, são tomadas para surtir efeito aqui e agora. Como se pode perceber, a educação e o aprendizado contínuo (hoje requisito indispensável para o sucesso na carreira e a qualidade vida) não são objeto de planejamento a longo prazo, embora o bom-senso indique que deveriam, juntamente com a inclusão dos jovens no mercado de trabalho, ser encarados de outra perspectiva, ou seja, como fundamento para o futuro.
A provocação não poderia ser outra. Em uma entrevista para estágio ou emprego o que é mais provável que seja indagado ao candidato: qual carro tem? ou quantos livros leu nos últimos meses? O que deve ficar claro é que, longe dos bancos escolares, vale mais o conhecimento acumulado do que a posse de uma série de produtos de consumo. É preciso mudar a cultura do consumismo e redirecionar uma parcela maior de recursos e energia para fins mais nobres. A difusão desses valores imateriais é papel que pais e empresários devem desempenhar, pois ambos funcionam como exemplos às novas gerações. Essa tarefa também faz parte da chamada responsabilidade social, na qual se insere a oferta de oportunidades de estágio ? o mais claro e eficiente incentivo à capacitação profissional dos novos talentos, especialmente considerando o alto nível de efetivação dos estudantes que tem a sorte de ser convocado para a vivência prática do ambiente corporativo. Sorte, aliás, que dividem com a empresa, que desfruta de um atraente retorno para o investimento nos jovens: pesquisa do instituto TNS InterScience constatou que 64% dos estagiários são efetivados graças à experiência adquirida durante o período de treinamento.
(*) Luiz Gonzaga Bertelli é presidente executivo do Centro de Integração Empresa-Escola ? CIEE, da Academia Paulista de História ? APH e diretor da Fiesp.
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