Nem toda a nudez será castigada
*Por Marli Gonçalves
Pronto. Virou moda. Vira e mexe agora, em todo o mundo, alguém arria as calças, levanta a blusa, mostra os peitos, põe a própria na janela. Não é uma nova forma de protesto, mas está sendo atualizada, com mulheres lindas e loiras que se jogam no chão e esperneiam quando a polícia chega e as arrasta, gerando invariáveis fotos para manchetes.
Os protestos ficaram mais bonitos em todo o mundo. O problema vai ser quando banalizar a forma, o que aqui no Brasil acontece muito mais rápido do que em qualquer outro lugar. Uma vez, a ativista em verde e amarelo Sara Winter, como ela própria se batizou, apareceu, viajou para a Ucrânia e foi aceita - é, isso mesmo, tem de passar por uma espécie de vestibular com prova oral e prova prática, de capacidade de aguentar o tranco - no mais novo grupo feminista da praça internacional, o Fêmen. Aquele, das moças bonitas, guirlanda de flores nos cabelos, seios fartos e pele alva pintada com os dizeres dos protestos, grupo que foi aparecendo aqui, ali, e daqui a pouco vai abrir franquias em todo o planeta. Logo no primeiro protesto lá fora, Sara foi parar na cadeia, gritando que era estrangeira, e brasileira. Nem sei como não levou umas bolachas a mais justamente por isso.
Aqui, Sara foi imediatamente paparicada pela imprensa, como um ET que desce à Terra. Parecia que finalmente nascia uma heroína. Mas como protesto não é coisa de se fazer sozinha, Sara já andava arregimentando novas "membras" para a organização feminista, que proclama um feminismo diferente. E começou a testá-las, também nas ruas. Apareceram na Avenida Paulista contra proibição de partos em casa. Apareceram contra a opressão. E, pelo que parece, podem aparecer a qualquer momento contra qualquer coisa que não precise exatamente explicar muito. Tudo ia muito bem até que a polícia resolveu catá-las, depois que ela e outras abnegadas em teste foram parar na frente do Consulado russo em São Paulo, pedindo a libertação, lá na Rússia, das três integrantes do Pussy Riot, banda encarcerada (que pegou dois anos de pena) porque andou, digamos, falando da mãe do presidente Putin dentro de uma igreja.
Do dia para a noite nossa heroína foi revelada de outra forma: teria pensamentos de extrema-direita, fascistas, e uma de suas tatuagens, a cruz de ferro, seria símbolo nazista. Descobriram também que ela criticou, deu um pau na Marcha das Vadias o ano passado - justamente também uma forma de usar a nudez para protestar pelo respeito pela mulher. Percebi um tom de muxoxo até quando contam que ela é do interior paulista. Enfim, Sara agora samba para se explicar. Já assumiu ter sido prostituta e falou algo bem sério, mas para o qual já não vi ninguém dar real atenção: teria sido ela própria vítima de violência por parte do ex-marido.
Mas aí já se precisaria falar sério e sabe como é... Foi uma das ascensões e quedas mais rápidas que vi. A cara do nosso país. Uma terra de vestais, moralistas, puros, tímidos, religiosos e pudicos. Onde a nudez está para onde se olha, mas só é vista como natural em dias de Carnaval - e nem isso mais, ultimamente, com a massificação dos desfiles e ocultação das genitálias. Um país onde o naturismo ainda não é bem aceito, e nem legalizadas as regiões onde pode ser praticado. Onde se escandaliza com pouco e fecha-se os olhos para o horror e a barbárie. Onde moças de minissaia hoje sorriem e dão entrevista felizes em serem chamadas de periguetes, porque tem uma na novela em cartaz, sentindo-se as maiores inovadoras dançando o funk chão-chão-chão. Tem até concurso para ver quem é a mais periguete. A verdade é que mudam o nome das coisas e o país vai ficando cada vez mais careta.
Estamos ficando muito chatos e perigosamente carolas. Me preocupo muito com essas coisas porque essa questão envolve vários temas que me são caros e que estão sendo totalmente folclorizados, como o próprio naturismo, o terrível uso e manipulação religiosa, a nudez como forma de protesto e , também, como o feminismo, pelo qual tanto nos esfalfamos para o reconhecimento. Vange Leonel, cantora, escritora e ativista gay, fez uma proposta no Twitter que achei interessante: que se pense em instituir o ensino da luta feminista nas escolas. Como aqui até o passado é incerto... Seria bom, antes que como alguém também já disse, como tudo no Brasil vire piada.
*Marli Gonçalves é jornalista e escritora.
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