A CIDADE ECOLÓGICA
A CIDADE ECOLÓGICA
Luiz Eduardo Cheida *
Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. ?Mas, qual é a pedra que sustenta a ponte??, pergunta Kublai Kan.
- A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra ? responde Marco -, mas pela curva do arco que estas formam.
Kublai Kan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: ?Por que falar em pedras? Só o arco me interessa?.
Pólo responde: ?Sem pedras, o arco não existe?.
(Cidades Invisíveis de Italo Calvino)
Sem arranjos humanos, uma cidade é só uma idéia. Por isso, ela nunca é um ambiente natural. Ela é um ato cultural. Mesmo o sabendo, espíritos inquietos buscam pela cidade ideal. Existiria uma cidade, de tal sorte harmônica e respeitosa para com o meio ambiente, que a poderíamos chamar ecológica?
Vamos tentar! Como o organismo humano é natureza também, uma cidade harmônica e que respeita o meio ambiente deve condicionar-se a (*): Buscar para seus cidadãos uma qualidade de vida pautada na saúde, bem-estar pessoal e social, qualificação profissional, acesso à informação, ao trabalho, ao ócio e à cultura; Reduzir o impacto dos resíduos (sólidos, líqüidos e gasosos) e da contaminação atmosférica, geográfica, aqüífera e sonora produzida; Limitar e selecionar o uso dos recursos naturais, aproveitando-os com eficiência. Diminuir o impacto físico, psicológico e social sobre os habitantes; Buscar o compromisso dos cidadãos para com o ambiente e a espécie humana; Possibilitar a todos a realização de seu direito à liberdade e facilitar o exercício da responsabilidade para com os outros e para com o meio ambiente; Permitir o controle da gestão política da cidade, convidando à participação e à tomada de decisões que afetam a comunidade. Total transparência aos atos e modelos de gestão. Reforçar as redes de relacionamentos, articulação e coesão social; Fomentar o desenvolvimento local considerando-o dentro do marco global do planeta; Realizar suas atividades com o mínimo consumo de energia, mediante a adequada organização física dos sistemas de circulação e distribuição territorial dos recursos, equipamentos, dotações e serviços; Poupar e, se possível, produzir boa parte da energia que consome; Ser, em todos os seus níveis físicos, econômicos e sociais, habitável, acessível e segura.
Uma cidade que cumpra as condições acima pode ser qualificada de ecológica.
Na atualidade, porém, as circunstâncias políticas e culturais não o permitem. A intervenção da cultura humana (agricultura, arquitetura e outras artes) artificializam de tal sorte o ambiente que Cidade Ecológica torna-se uma contradição em si. Se é cidade, não é ecológica.
Uma cidade próxima do ideal requer consenso da maioria, opondo-se aos que defendem seu desenvolvimento sob as regras da competição. De um lado, a especulação imobiliária, o êxito individual, a agressividade, o apoliticismo, o consumismo, a carência de escrúpulos e a cega fé na tecnologia. De outro lado, fortes valores humanistas como a solidariedade, o respeito ao próximo, a dignidade, a honra, a prudência, a filantropia, o interesse pela coisa pública.
O sempre predomínio dos primeiros conceitos sobre os segundos, culminam na radical transformação da base econômica da cidade, de sua estrutura física, seu tecido social e sua relação com o meio ambiente.
A cidade, que deveria primar pela harmonia, pelo equilíbrio social, convivência e participação de seus cidadãos acaba consolidando-se como um aglomerado humano que se relaciona sob o manto do conflito, da rapinagem, do desencontro e da marginalização.
A cidade passa a justificar-se enquanto palco de relações econômicas, oportunidades para a ganância, facilidades para o enriquecimento imediato e para o furor de lucro.
A má gestão político-administrativa, somada à tolerância dos técnicos e a inibição (ou conivência?) dos cidadãos, entrega de vez as chaves ao poder mercantil.
A cidade ecológica pode ser uma espécie de ideal a ser atingido. Para isso, é preciso colocar suas pedras de forma correta. Como a ponte de Marco Polo: sem pedras, o arco não existe.
* é médico e deputado estadual eleito pelo PR.
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