O inferno de um Deus
O inferno de um Deus
Ivan Postigo *
Nós queremos todas as bênçãos do céu, do Olimpo, mas de uma forma que não interfira nas nossas ações. A questão é como isso pode ser possível? Ser independente, saber tudo que se passa, e ainda, ver tudo acontecer da forma como gostaríamos. Três palavras definiriam esse conjunto de poderes ou capacidades: Onisciência: Poder ou capacidade de saber tudo; Onipresença: Poder ou capacidade de estar em todo lugar; Onipotência: Poder absoluto sobre todas as coisas.
Para isso, a grosso modo, eu teria que criar o meu mundo, com as minhas regras, dentro da minha visão, com a missão que eu determinasse. Como levar esse empreendimento adiante? Empreender, empresa... É isso!
Com esse pensamento constitui uma empresa, pequena, que se tornou média, estando presente o tempo todo. É verdade, trabalhava 16 horas por dia ou mais, mas no começo é sempre assim. As pessoas que trabalhavam comigo, eram poucas, escolhidas por mim, me informavam tudo o tempo todo. Tudo eu sabia.
Regras? Eu as tinha estabelecido. O que fazer, quando fazer, como fazer, era simples, todos seguiam minhas determinações. Ao menor desvio, as pessoas, mesmo em tom de brincadeira, não tinham dúvidas, diziam: procure deus, ele irá ajudá-lo. E eu os ajudava!
Os produtos que fazíamos sofriam uma pequena concorrência, era uma novidade, então rapidamente demos um grande salto, entramos em novos mercados com novos produtos. Já não consigo contratar pessoalmente cada funcionário, nem conversar com todos. Aliás, muitos nem conheço. Não consigo admitir isso no meu mundo!
Todos os dias acontecem coisas a minha volta e não sou informado! Antes bastava ir ao local do café e obtinha todas as informações, hoje temos mais de 50 pontos por toda a empresa. Continuo trabalhando mais de 16 horas por dia e mal consigo sair de minha sala, tenho uma agenda enorme de compromissos a cumprir. Todos praticamente têm a ver com situações além dos muros de minha empresa.
Vejo portas fechadas, grupos de pessoas tomando decisões das quais sequer sou comunicado. Não consigo admitir isso no meu mundo! Muitas regras que determino são contestadas e sugestões me são enviadas. Não consigo admitir isso no meu mundo! Estamos crescendo, ganhando dinheiro, mas sinto que o meu mundo me foge às mãos.
Dia desses fui a uma palestra onde muito se falou sobre delegação como forma de se manter a qualidade da gestão empresarial. Ao delegar entendi que devo encontrar uma pessoa com conhecimentos técnicos, capacidade de liderança, disposição para assumir riscos e investi-la de poder para decidir sobre determinadas situações. Ah, no meu mundo, não!
Os problemas cada dia são maiores, perdemos alguns clientes, mais isso é passageiro...
Assim que eu encontrar uma forma de escrever procedimentos para que cada funcionário faça exatamente aquilo que quero, e que voltem a me informar sobre tudo o que acontece, as coisas voltarão a ficar bem. O processo de condução é o mesmo, quem fazia com 30 pode fazer com 1.500 pessoas. É só encontrar uma forma. As coisas do meu jeito sempre deram melhores resultados.
Intromissão? No meu mundo não!
* Economista, Contador, Pós-graduado em controladoria pela USP - Ipostigo@terra.com.br
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