Anabolizantes: problema de saúde pública
*Por José Hiran Gallo
No mundo contemporâneo, a estética se impõe de forma agressiva, muitas vezes colocando em xeque os valores e a saúde do indivíduo. Trata-se de uma ditadura que transforma editoriais de moda, novelas e academias de ginástica em trincheiras da guerra para definir o que é belo e o que é não é.
Nos anos 60, as mulheres queriam ser como Marta Rocha, que perdeu o título de Miss Universo por conta de duas polegadas, e o ídolo dos rapazes era John Wayne, reconhecido mais pela postura e caráter que por seus dotes físicos. Cinquenta anos depois, os padrões são outros, o que faz os seres humanos normais sofrerem com os humores das indústrias da moda e do entretenimento. Perde-se peso e alonga-se a silhueta num dia para em seguida correr atrás de músculos e massa muscular.
Para atingir essas metas ? quase humanamente impossíveis ? os incautos têm lançado mão de um arsenal químico, aparentemente inofensivo e bem intencionado, mas que provoca consequências devastadoras nos organismos de seus usuários. Os esteróides anabolizantes (EA) são drogas, em sua maioria, têm como função principal a reposição da testosterona.
Além dessa finalidade específica, reconhece-se suas capacidade de estimular o aumento da musculatura, o que os torna objeto cobiçado por atletas e pessoas que querem ganhar força e melhorar o desempenho esportivo ou a aparência física. No entanto, em busca da imagem e dos resultados tão sonhados, muitos entram em terreno delicado, colocando em risco seu bem estar e a própria vida.
De acordo com a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), no Brasil, aproximadamente 0,3% da população entre 12 e 65 anos já fez uso destas substâncias pelo menos uma vez na vida. Entre estudantes de Ensino Médio e Fundamental esta taxa sobe para 1%. Os estudos mostram que o consumidor preferencial fica na faixa etária de 18 a 34 anos e, em geral, é do sexo masculino. Na década de 90, nos EUA, levantamentos indicavam que mais de um milhão de jovens já tinham feito uso de esteroides anabolizantes.
Muitas vezes vendidos em academias ou farmácias, sem receita médica, essas drogas se tornaram objeto de desejo para milhares de pessoas que desconhecem a triste realidade: ao ingeri-las dão passos sobre o fio da navalha que separa a saúde da doença, a vida da morte.
Para constar: entre os principais efeitos do abuso dos esteroides anabolizantes constam tremores, acne severa, retenção de líquidos, dores nas juntas, aumento da pressão sanguínea e tumores no fígado. Mas os problemas não cessam aí. Há os efeitos crônicos causados pelo consumo indevido desses produtos. Nos homens, pode causar a redução na quantidade de esperma, a calvície, o crescimento irreversível das mamas e a impotência sexual. Nas mulheres, são reforçados os sinais da masculinidade (voz grossa, crescimento de pelos e redução nos seios).
Em qualquer idade, os efeitos adversos incluem o aumento no risco de aparecimento de tumores no fígado; de alterações nos níveis de coagulação sanguínea e de colesterol; de crises hipertensivas e cardíacas; doenças de pele e aumento da agressividade, que pode resultar em comportamentos violentos
A população deve estar consciente destes e outros riscos para não sucumbir ao que é de aparência tão inofensiva e com resultados tão nobres. A perda de peso e o ganho de massa muscular resultam de trabalho duro, de médio-longo prazos, mas que se conduzidos da forma correta, permaneceram por muito tempo. Da mesma forma, cabe aos responsáveis pela Vigilância Sanitária fechar o cerco ao uso dessas drogas. É preciso fiscalizar academias e farmácias e tratar os que as comercializam como traficantes, penalizando-os pelo mal que causam. Temos que acabar com a percepção de que o emprego de anabolizantes provoca invencibilidade e reforçar o cinturão ético e moral que nos cerca para impedir a desestruturação social em função dos apelos de uma estética doentia.
* José Hiran Gallo é diretor do Conselho Federal de Medicina.
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