O SOCIAL E O SOCIETÃRIO NO PETISMO
*Percival Puggina
Não sei se já contei isto. Acho que já contei, sim, mas conto de novo porque a situação perdura. Eu havia estacionado em um posto de gasolina e quando me dirigia para o inevitável cafezinho, um rapaz, maltrapilho e maltratado como diria o Chico, se aproximou de mim, declarando-se com fome, e me pediu um cachorro-quente. A frase - "Estou com fome" - não admite qualquer contestação. "Claro que sim, vem comigo".
Suponhamos que eu parasse naquele posto diariamente e que, também diariamente, o rapaz estivesse ali, reiterando-me seu apelo. Ao cabo de um mês eu teria despendido uma boa quantia com ele sem elevá-lo um centÃmetro na escala social. Ao contrário, eu o teria degradado à condição de dependente. Agora, ampliemos a cena. No meu lugar, coloque o governo federal, substitua o rapaz com fome por 22 milhões de famÃlias e o lanche por uma ajuda de custo para completar, em cada núcleo familiar, por pessoa, uma receita mÃnima de R$ 70 (o governo chama isso de renda...).
O leitor pode estar pensando - "Será que o Percival Puggina prefere que as pessoas passem fome?". Não, claro que não. Eu não sou contra o Bolsa- FamÃlia. O Lula é que era contra o Bolsa-Escola, no tempo do FHC. Escrevo motivado pela recentÃssima divulgação pela ONU dos novos Ãndices de Desenvolvimento Humano. Eles situam o Brasil na 85ª posição do ranking mundial, com uma visÃvel estagnação nos últimos anos. Como é possÃvel? Com 22 milhões de famÃlias recebendo do governo um complemento de "renda" mensal?
Pois essa é a consequência do problema que muitos, entre os quais eu mesmo, já cansaram de advertir. O Bolsa-FamÃlia é um programa necessário, sim. FHC, aliás, já o havia instituÃdo com o nome de Bolsa-Escola, sob severas crÃticas de Lula e do PT. à um programa que cria dependência em proporções que tornam desnecessário prová-la. Mas, isoladamente, nada faz que se possa denominar promoção social ou desenvolvimento humano. Em nada contribui para que as famÃlias em situação de miséria disponham, um dia, das condições necessárias para cuidar bem de si mesmas. Esse "cuidar bem de si mesmos" é o que fazem as pessoas nos paÃses situados no topo da tabela da ONU. Na maior parte desses casos, não é o Estado que cuida bem das pessoas, mas as pessoas que têm habilitações que lhes permitem uma renda suficiente para fazê-lo.
A pergunta que dirijo ao PT, ao seu parceiro PMDB, e aos demais membros dessa organização societária estabelecida no Brasil, é esta: - Quando é que vocês vão levar a sério o problema da Educação? Os indicadores sociais já mostram que estamos praticamente estagnados! Menos gente passa fome no Brasil e isso é muito bom. Mas cai nos ombros dos senhores, após uma década no poder, o peso dos anos perdidos e o desastre social que os números estão a apontar.
Reconheço que o PT descobriu o Brasil em 2003, assim como Cabral cravou uma cruz nas areias de Porto Seguro, Lula plantou uma estrela vermelha nos jardins do Palácio da Alvorada. Reconheço, também, que o PT realizou isso após haver inventado a roda, a roldana, o avião e a suÃte presidencial a bordo do avião. Mas o fato é que nos setores fundamentais do bem estar social - Educação, Saúde e Segurança as coisas vão de mal a pior. A sÃndrome da dependência em que se afundou parcela significativa da população brasileira tornou-se elemento fundamental da organização societária que (vou usar um neologismo que a esquerda adora) se empoderou no Brasil.
* Percival Puggina é arquiteto, empresário e escritor.
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