OLHARES, BOCEJOS E SORRISOS
OLHARES, BOCEJOS E SORRISOS
* Adilson Luiz
Dizem que quando olhamos fixamente para uma pessoa e ela boceja, automaticamente repetimos esse gesto. Experimente! E você verá que isso realmente ?pega"! Agora experimente olhar para seu filho: Veja como ele está crescendo! Mas preste um pouco mais de atenção: na cor de seu cabelo, nos detalhes dos pés, nos contornos das mãos, que um dia já couberam dentro das suas; no seu porte, nas suas atitudes... Depois, realize que, num piscar de olhos, ele vai começar a mudar. A adolescência vai chegar com uma avalanche de mudanças, que talvez deixem você mais atordoado do que ele. Mas não entre em parafuso! Volte ao presente e revise o cronograma da infância. Lembre que ele vive querendo chamar sua atenção, sobretudo quando você está mais concentrado. Será porque você não lhe dá atenção suficiente? Cuidado: se você não cuidar alguém o fará, quase sempre sem pensar no bem dele! Pise no freio e pense um pouco sobre isso! E aí? Será que você sempre esteve disponível para se ocupar dessa sua preciosa obra tanto quanto de sua carreira e prazer? Pois saiba que criar um filho também é um trabalho e um prazer! Aliás, se você pode fazer algo de realmente bom e útil em sua vida é gerar, mais do que um filho, um amigo e um bom ser humano!
Você está em débito? Tudo bem... É certo que hoje em dia é difícil ter tempo para alguém tão pequeno, quando temos projetos e problemas tão grandes e complexos. Além disso, todo o seu empenho é para que ele tenha tudo o quiser na vida! Calma! A escala de valores da infância ainda não está distorcida pelo materialismo de nossa sociedade de aparências. Mas saiba que a maioria dos problemas do mundo é causada por pessoas mal-criadas e mal-amadas na infância. Talvez ele só queira um pouco mais de tempo com você!
Então, desligue o piloto-automático que o mercado implantou subliminarmente em você e dê um ?jeitinho" em sua agenda, sem medo de que alguém encare isso como um deslize de foco, um "desperdício" de tempo ou um "arranhão" em sua imagem de profissionalismo, austero e fleumático. Vá ver o que ele está fazendo. Se for a lição de casa, perceba como ele segura o lápis; ouça sua voz como se nunca a tivesse ouvido antes; pergunte sobre o dia dele; diga como foi o seu... Gaste um pouco mais desse seu precioso tempo e dê uma olhada em seus desenhos, seus brinquedos... Quem sabe você tenha vontade de desenhar e brincar com ele. Quem sabe ele goste.
Quem sabe você goste! Quem sabe ambos descubram que o simples fato de estarem juntos já é um baita brinquedo! Aproveite e viva um dia de criança! Talvez seu filho estranhe, em princípio, essa súbita atenção e fique eufórico e sem saber bem o que fazer, ou querendo fazer tudo ao mesmo tempo. Não se preocupe: as crianças têm uma capacidade infinita de adaptar, perdoar, esquecer e amar. Quem sabe você perceba que todas as vezes que ele olhou nos seus olhos ele sempre buscou um reflexo de seus anseios de criança: um apoio, um consentimento, uma cumplicidade, uma explicação ou, simplesmente, um sorriso. Quem sabe você descubra que ele pode ser um confidente interessado e conselheiro surpreendentemente sensível e objetivo! De fato, a grande surpresa na relação entre pais e filhos não está na herança genética, mas nas diferenças que delineiam o caráter de um novo e especial ser vivente. Mais tarde, antes de dormir, experimente levá-lo até a cama. Converse mais um pouquinho. Faça um carinho e lhe dê um beijo de boa noite. Provavelmente ele irá pedir um abraço e, brincando, prenderá você! Meu amigo: aceite essa ?prisão? por toda a vida, pois ?gastar? tempo com os filhos é investir numa adolescência bem-resolvida, numa maturidade consciente, enfim, num futuro melhor para a humanidade!
Com tudo isso, ele vai demorar um pouco mais para dormir, mas, com certeza, dormirá muito melhor. E você também! Mas antes do sono vencê-lo ele ainda vai olhar novamente nos seus olhos e, angelicalmente, bocejar, ao que você, naturalmente, não resistirá. Finalmente, ele sorrirá... Sem querer, querendo, você também repetirá o gesto. Uma criança que boceja sorrindo... Não deve haver maior exemplo de uma alma em paz e feliz! A partir do dia seguinte, sorria para ele toda vez que encontrar o seu olhar. Repita isso até que esse sorriso esteja impresso em suas almas, de forma que sempre que um lembrar do outro ele brote, espontâneo: bálsamo do espírito! Pais, mães, filhos e filhas: os laços não devem prender, mas abraçar! E se "é de pequenino que se torce o pepino", também é de criança que se molda, suavemente, o caráter, e se ensina a linguagem do coração: linguagem que ensina e aprende com um simples olhar, como as coisas devem ser. Essa deve ser a verdadeira língua dos anjos!
* Adilson Luiz Gonçalves é Mestre em Educação.
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