Saudade de mar
*Por Petrônio Souza
Foi uma operação de guerra o translado do tubarão capturado em Meaipé, litoral capixaba, para a mansão do grande publicitário na Pampulha. A viagem foi realizada à noite, em caminhão baú, quando sedado o grande tubarão vinha tranquilo pelas curvas da longa estrada. Era madrugada quando foi deixado no imenso aquário.
Já no almoço, a grande visitação para ver a exótica novidade do narcisista publicitário. O tubarão quieto, escondido, acuado. Nem lembrava a fera temida dos mares. Nos dias seguintes, novas e renovadas visitas: os amigos de trabalho, a família da namorada, os vizinhos, os clientes, e o tubarão acuado, escondido pelos cantos.
Não era uma atração, era uma decepção. Uma semana a mais, o publicitário se irritou. O tubarão tinha saudade de mar. ? Vamos soltá-lo na Lagoa da Pampulha! Protesto nenhum. Madrugada adentro, depois de nababesca confraternização, seguiram em caravana para a curva da lagoa, lá pelas bandas do zoológico.
Os carros, parados lado a lado, com os faróis iluminando a lagoa, mostravam o caminho para o guindaste levantar e pousar na água a caixa de fibra para o mergulho final do triste tubarão. Quando tombou a caixa, a água limpa abriu uma fenda na turva água da Lagoa da Pampulha. O grande tubarão nem se debateu, fez um mergulho só e virou, quando a sua nadadeira central cortava a feia nata que cobre a lagoa com sujeira e pó. E nadava, mergulhava, até que pulou como que se estivesse em agonia, buscando um pouco de mar. A cada novo pulo, a galera, sentada nos capôs dos carros, brindava.
Todos procuravam o tubarão quando longe sumiu. Depois de mais um pulo, ao longe, voltou nadando rápido, quando passou por entre os aguapés e taboas à margem da Lagoa e subiu em um salto, trazendo entre os dentes uma grande capivara que grunhia e se debatia com as patas no ar. Foi com raiva que ele partiu a capivara ao meio, que despencou do alto seu corpo dividido até estilhaçar na margem escura da Pampulha.
E o tubarão deu mais um mergulho, enquanto o sangue fazia vermelho o negrume lunar na orla da Lagoa. Até que o tubarão mergulhou, voltou, viu o sol nascendo do outro lado da paisagem, e seguiu, solitário, buscando o mar que não existia.
*Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor
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