Um clã a menos no Estado
*Por Reginaldo Trindade
O noticiário recente nos brindou com alvissareira notÃcia: a prisão do Deputado Estadual Marcos Antônio Donadon e a iminente prisão do irmão dele, o Deputado Federal Natan Donadon. Sabidamente, um terceiro parente da ilustre famÃlia também possui sérios problemas com a Justiça ? eufemismo e generalização propositais.
A FamÃlia Donadon há muito era (é?) a dona da região sul do Estado. Colorado e Vilhena, os polos mais importantes, foram administradas várias vezes por representantes do clã. O singelo fato de os irmãos serem presos no curso de mandato parlamentar, na Casa de Leis regional e federal, é bem indicativo do prestÃgio polÃtico dos Donadon em Rondônia.
Infelizmente, muito infelizmente mesmo, não é a única famÃlia com semelhante sucesso nas urnas no Estado e ? o que realmente se lamenta ? possui membros igualmente com muitos problemas nas mais diferentes justiças (federal, estadual, eleitoral etc.). Auguremos todos sobreviver para, num bela manhã de dois mil e..., sermos acordados com a notÃcia de novas prisões de outros ilustres, provenientes de que famÃlia bandida for, bastando apenas que estejam barbarizando o interesse público, o interesse de todos os cidadãos de bem deste Estado ou de qualquer outro da Federação.
A razão pela qual pessoas com ficha corrida tão extensa ainda logrem êxito nas urnas (no paÃs inteiro, não apenas em Rondônia ? feliz ou infelizmente) mereceria um tratado; mas não é disso que se quer cuidar hoje, não. Escreve-se mesmo para realçar o quão importante e simbólico é que tais prisões ocorram no turbulento contexto atual, com a população inteira saindo à s ruas para clamar (também) contra a corrupção, raiz maior dos males que assolam o paÃs.
Claro que os mais céticos dirão que eles ficarão presos apenas por alguns dias ou horas; que neste paÃs ninguém, com um mÃnimo de prestÃgio e poder polÃtico ou de qualquer outra ordem, fica preso por muito tempo etc. Aos pessimistas de plantão devemos alertar que até pouco tempo atrás (tempo histórico, que fique bem claro) era impensável prender parlamentares, juÃzes, membros do Ministério Público e quaisquer outras altas autoridades no Brasil. Mesmo com a redemocratização do paÃs, ainda levamos alguns bons anos para que isso fosse, ao menos, imaginável.
Na verdade, estamos num permanente processo de construção de dias melhores. à um processo lento, difÃcil, pouco perceptÃvel para o cidadão comum. E a construção de um paÃs melhor depende de todos, do mais ilustre ao mais modesto. Os travesseiros são individuais ? cada pessoa de bem dessa continental terra deve recostar a cabeça ao final da jornada com a tranquilidade de que fez sua parte ? seja ela qual for. Dormindo o sono dos justos.
à um verdadeiro trabalho de formiguinha esse de construir um Brasil melhor. As pessoas de bem, que têm largado suas vidas e saÃdo à s ruas para protestar, devem ser reverenciadas porque estão colocando seus tijolos nesse imenso edifÃcio. O povo precisa se conscientizar de sua capacidade e poder; mas, também, de suas limitações, ou melhor, das limitações que permeiam todo o processo: passados os movimentos, superadas as passeatas, todos constatarão que a saúde ainda é muito ruim, assim como a educação e que, sobretudo, a corrupção ainda nos aflige a todos.
Devemos parar os protestos, suspender as manifestações? Jamais. No fundo, será a permanente vigilância do povo que assegurará a edificação de um paÃs verdadeiramente justo, onde a dignidade do ser humano não seja apenas um conceito vazio e incompreensÃvel na Constituição e nos livros de história. Voltando ao que verdadeiramente motivou estas linhas, quando Antônio Carlos Magalhães foi defenestrado do Congresso Nacional por fato bem menos grave do que os que se praticam nestas paragens (não que ele fosse santo, não), alguém disse que ?o dono da Capitania Hereditária da Bahia havia caÃdo? ? numa referência histórico-poética muito interessante, que remontava a tempos remotos no paÃs, em que a pessoa ?ilustre?, com ?grande prestÃgio polÃtico?, era literalmente proprietária de uma região do Brasil, perpetuando-se no poder ? ele e todos seus ?eminentes? parentes ? à custa disso e do que mais fosse (eleições viciadas, dinheiro, voto de cabresto etc.). Para desgraça de todos!
Festejemos, pois, todos nós, cidadãos de bem dessa maravilhosa Rondônia. Os donos da Capitania Hereditária do Cone Sul já não existem mais. Quem serão os próximos a cair?
* Reginaldo Trindade é Procurador da República especialista em Direito Constitucional, responsável em Rondônia pela defesa do Povo Cinta Larga.
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