Quando setembro vier
*Por Marli Gonçalves
Eu quero estar primavera. O mais lindo mês do ano, pelo menos para mim, chega com gosto de dúvida, de desilusão, de mais repetição de promessas de sonhos que não se realizam. Devia marcar o contrário, a criação e o florescimento, mas a mediocridade está secando a terra, e só ervas daninhas estão sendo, digamos, legalizadas e incentivadas. Meus dedinhos gordinhos foram contando... setembro, outubro, novembro, pânico, dezembro! O terceiro quadrimestre abre a cortina e já mostra os dentes com um sorriso maroto e pouco confiável. O coração aperta e o bolso, ah, este, coitado, que já vive tendo contrações terríveis, se estoura de vez. Fosse só isso, normal. Mas há um estranho sentimento no ar que respiro, e que percebo - não é pólen. É descrédito, decepção, uma preguiça danada, toalhas jogadas ao chão junto com os cartazes que pediam e que até agora não ganharam nada, a não ser uns remendos.
O mês que também é o mais romântico - deve ser por causa do acasalamento das espécies - marca uma nova aceleração dos fatos, uns empurrões para concretizar um monte de coisas antes que o número vire, e 2014 chegue. Digo até que anteciparia um título: 2014, o ano que a currupoca vai piar. Não adianta procurar no Google, mas saiba que as currupocas, piam sim. (Já a jiripoca é um peixe que imita passarinho). Aliás, como ia dizendo, construindo meu raciocínio, elas, inclusive, as currupocas, já estão piando! Deve ser a primavera chegando que adiantou o ciclo das eleições e medidas eleitorais, tantos movimentos em cima das árvores, com macacos correndo para os seus galhos ou pulando deles, rapidamente.
É muito impressionante e chega a dar angústia porque o Brasil parece muito com aquela brincadeira de criança, de amarrar uma nota com um cordão, se esconder, e ficar puxando cada vez que um incauto tenta pegar. O Brasil continua o país do Futuro, aos soquinhos, aos pulinhos; anda uma casa, recua três, avança duas e fica de castigo sem jogar por duas rodadas. Quarenta ministros e que tais para só uns dois ou três ficarem apitando a locomotiva para aparecer. O resto, ei lá, gazeteia. É um vai-não-vai-vai sem graça.
Tudo isso pode emergir no Dia 7 de Setembro. Ou não, como diria Caetano. Ou talvez,como gesticularia o Gil, pode não ser assim. É Dia da Pátria, Dia do Pau Brasil. Mas ainda não é dia do patriota que, aqui, é só nome de um ministro a cada dia mais nanico, mais inoperante. Um ataque de arma química na Síria mata mais de mil, criancinhas são mostradas agonizantes, e o cara diz apenas que "é grave e preocupante, precisa ser investigado". Um brasileiro é preso em Londres, tem suas coisas apreendidas, e o Patriota chama de "inusitada" a ação inglesa. Fora os coitados dos corintianos que penaram aqui na esquina da Bolívia. Qualquer hora essezinho vai perder a permissão até para usar seu próprio sobrenome.
Já falei para vocês e se não falei, conto agora, que fui uma criança fraquinha, o que me mantive muito dentro de casa, assistindo desenhos animados e lendo contos que me influenciam até hoje. Um deles me veio à cabeça agora, para tentar descrever a ânsia de nossa presidente que vejo, tentando se disfarçar de fada madrinha, abrindo um saquinho de bondade que se desmancha no ar quando em contato com quem pensa. A varinha de condão, a caneta com a qual assina os benefícios exclusivos e especiais, inclusive financeiramente, para os aduladores que se multiplicam à medida que sua popularidade baixa, impressionante;
Mas vamos hastear as bandeiras! Vesti-las. Pintar tudo de verde e amarelo, nos fantasiar de flores pipocando em todas as terras. Pode até amarrar pano na cabeça para se disfarçar e não ser reconhecido - uma ideia para um monte de gente que não poderia nem ser visto protestando porque há, sim, uma patrulha no ar. É uma patrulha especial que vive nos fundos das pensões, de onde sai apenas para disfarçar um pouco os cortiços, torná-los só mais arrumadinhos; prega um prego aqui, constrói um negocinho ali. Joga um cubano onde houver um prefeito amestrado. Pinta lá.
Nada de planejamento, nada de estrutura, de estudos, de direção. Vai batendo o vento e eles vão vergando, mas essa é esperança que, tal como no funk, desçam, desçam, até o chão e lá fiquem para pelo menos adubar a terra. Podemos começar agora. Pode não ser hoje nem amanhã, mas conseguiremos. Para que possamos acreditar. Botar uma fé. E aí viver uma primavera de verdade.
*Marli Gonçalves é jornalista.
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