Não importa o percentual, a violência contra as mulheres continua
*Por Por Breno Rosostolato
?Infelizmente foi um fato que aconteceu. Estava muito apertado no trem e eu não aguentei?. Esta foi a frase proferida por um homem acusado de abusar sexualmente de uma mulher de 30 anos dentro de um vagão, em São Paulo. Na estação da Luz, o homem tirou a calça e chegou a ejacular nas nádegas da vítima. Passageiros que presenciaram o crime ficaram revoltados e espancaram o suspeito. Este não é um caso isolado. Até agora, em 2014, 26 homens foram pegos em flagrante cometendo atos libidinosos e desrespeitosos contra mulheres.
Não são somente estes abusos que assombram a vida das mulheres. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), num primeiro momento divulgou que 58,5% dos entrevistados concordam totalmente (35,3%) ou parcialmente (23,2%) com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". O estudo também demonstra que 65,1% dos entrevistados concordam inteiramente com a frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Um detalhe importante, do total de entrevistados, 66,5% são mulheres.
Em uma nota divulgada em abril, o instituto pede desculpas e informa que houve um "erro relevante", motivado por uma troca de gráficos que inverteu resultados de duas das questões. Na questão "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar" os dados foram invertidos com a da questão "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Nossa que bom, que alívio! Não são 65%, mas 26%. Não é uma diferença de 39% que muda alguma coisa. A violência e o desrespeito contra a dignidade das mulheres continuam firmes e fortes. Os entrevistados foram questionados com base em afirmações pré-formuladas pelo instituto. Ao todo, foram ouvidas 3.810 pessoas em 212 cidades.
Outro dado relevante da pesquisa é que 56,9% discordam totalmente da afirmação "A questão da violência contra as mulheres recebe mais importância do que merece", demonstrando que o assunto está longe de se esgotar, necessitando cada vez mais de uma discussão sobre esse tipo de violência. É uma resposta aos que criticam o movimento feminista, que não se limita àquele iniciado na década de 80, mas ao que se perpetuando desde então, contra uma opressão de cinco mil anos que dificulta as transformações de mentalidades e a conscientização. A pesquisa revela aquilo que já se constata por aí, nas residências, no trabalho, nas ruas: a crueldade do preconceito contra as mulheres. O machismo que se estabelece como um conceito aceito pela sociedade, em que as pessoas, consciente e inconscientemente, agem com naturalidade, conduzindo suas vidas às margens da misoginia. Os dados da pesquisa são incontestáveis e revelam que não somente é de opressão que se faz a violência contra as mulheres, mas também considerando-as culpadas pelos atos que sofrem.
Como se as mulheres tivessem culpa de serem mulheres. Assim como na época da Santa Inquisição, em que elas eram punidas com morte na fogueira, entre outras barbáries. Por serem sedutoras eram tidas como amantes do diabo. Os resultados do Ipea revelam mais que distorções, mas o verdadeiro retrocesso, ou melhor, a permanência das mentalidades de pessoas que parecem ter criado raízes em épocas de trevas, em que o ser humano era relegado a um ser desprezível. Quase que de imediato surgiu uma reação nas redes sociais, se opondo a pesquisa. A campanha #eunãomereçoserestuprada foi idealizada pela jornalista Nana Queiroz e em pouco tempo tornou-se uma febre na internet. Foi criada para protestar contra a culpabilização da mulher em atos de violência sexual e recebeu apoio da presidente Dilma Rousseff.
Fato é que estes abusos, são sinais de que, se por um lado elas vivem com medo, porque estão nessa condição há séculos, os homens descobriram seus medos também, principalmente no que diz respeito à mulher autônoma, que possui opinião, é livre de estereótipos, tem iniciativa, sabe comandar e, no fundo, sempre possuiu sua importância na sociedade. Reflexo disso: homens que para manter sua posição de autoridade são violentos, seja no fato de tentar ou consumar o abuso sexual, ou em um simples ?fiu fiu?, que não é tão inocente assim.
* Breno Rosostolato é psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina ? FASM.
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