A PECHINCHA CONTAGIA
A PECHINCHA CONTAGIA
Bruno Peron Loureiro *
A pechincha dá um tema interessante para descrever, discutir e entender. Todos os brasileiros já a realizamos, com ou sem êxito nos resultados, e a sensação que dá no comprador pode ser o que determina a fechar o negócio. A pechincha caracteriza o modo de os brasileiros relacionarmo-nos em busca de vantagem. Sem fazer apologia a este fenômeno, vamos a ele.
Quem exerce a pechincha, e obtém êxito, finaliza a negociação com um sentimento de que deu o preço final e levou vantagem. Por isso, faz o negócio satisfeito que tenha determinado o rumo da conversa e influído nas condições finais. Vale chantagear, comparar com outros lugares, mostrar que falta dinheiro na carteira, entre outros artifícios.
Preferiria que não tivéssemos a necessidade de pechinchar e que, em todo e qualquer estabelecimento, o preço e as condições fossem fixos e inflexíveis. Porém, a enorme concorrência que há, o traço cultural do brasileiro a favor de negociar e pender as condições para o seu lado a fim de auferir vantagem, confluem para que a pechincha siga presente.
Há lugares onde o vendedor define uma situação inicial hipotética com a expectativa de que será alvo de pechincha, como se já contasse com esta ação. Se quer vender por dez reais, põe a doze. Aí o comprador se sente realizado quando baixa o preço, enquanto o vendedor também porque vendeu pela condição final que queria.
No entanto, é comum que um pedido de negociação resulte em algum ganho para o cliente, mesmo que reduza centavos do preço inicial, sobretudo em áreas comerciais onde a concorrência é alta, o produto é comum e o trabalho é informal. É inconcebível fazer uma compra no Brasil sem, ao menos, perguntar se tem desconto à vista.
Desde os camelôs ou os corredores comerciais concedidos aos trabalhadores informais pela administração local até os estabelecimentos tributados, é difícil que o brasileiro não tente inclinar as regras iniciais de interação econômica para o seu lado. Porém, há lugares onde as condições de pagamento são rígidas, como cinema, teatro, supermercado.
Lembro-me que uma vez vi um transeunte pechinchando o preço de um par de cadarços com um vendedor de camelô em São Paulo. Este deu o preço a um real e aquele retrucou: ?Oloko!?, o que me pareceu uma reação impulsiva de uma sociedade acostumada a negociar até o que o bom senso proíbe.
Enfim, uma coisa é levar vantagem, em que uma das partes poderá sair perdendo, enquanto outra é pechinchar porque o preço inicial foi posto à espera de um cliente negociador, que vai demandar, baixá-lo e comprar pelo que o vendedor realmente queria. Neste caso, a pessoa quis levar vantagem, mas nem sempre avalia a situação.
Para um tema como este, pedi que alguém mais lesse meu texto e desse sua opinião antes de publicá-lo. Então surgiu o comentário de que a pechincha não existe só no Brasil, uma vez que o fenômeno é mais acirrado na Índia, Marrocos, entre outros países, e que faltou esclarecer este ponto. Ademais de que herdamos esta característica.
Outro ainda diferenciou negociação de pechincha, esta mais insistente e menos comum. Problema de terminologia. Eu quis especificar, porém, como é no Brasil. Sem perder de vista que a pechincha não existe só aqui, nem é um fenômeno recente. A pechincha está na cultura brasileira.
Se não nos passou pela cabeça fazê-lo, alguém já nos exemplificou a levar vantagem, lucrar inesperadamente, fazer bom negócio ou comprar pelo preço mais baixo possível. Uma disputa por espaço, uma luta pelo ganho, uma pechincha. Falei menos do que poderia. Se eu pechinchar, conseguirei que o leitor reflita sobre o tema. A pechincha contagia.
* é analista de relações internacionais e latino-americanista.
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