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MUNDO CINZA
MUNDO CINZA * Luciano Pires Ã cada vez mais difÃcil tomar posiÃ§Ã£o sobre as grandes questÃµes em debate na sociedade. Ambientalistas x desenvolvimentistas, criaÃ§Ã£o x evoluÃ§Ã£o, esquerda x direita, ciÃªncia x religiÃ£o... Todo mundo tem certeza, todo mundo tem razÃ£o. A gente lÃª uma argumentaÃ§Ã£o brilhante e concorda com ela. E ? graÃ§as Ã internet - segundos depois lÃª uma contra-argumentaÃ§Ã£o tÃ£o brilhante quanto e tambÃ©m concorda com ela. DÃ¡ a impressÃ£o que antigamente as coisas eram mais claras. De que havia o preto e o branco, o bem e o mal e nÃ£o era difÃcil escolher de que lado ficar. Mas serÃ¡ que essa ?facilidade? acontecia por serem as coisas, digamos, mais simples? Ou serÃ¡ que antigamente, sendo mais jovens e inexperientes, nosso repertÃ³rio, nosso conhecimento, nosso raciocÃnio Ã© que era simplÃ³rio e escolhia de forma superficial, pelas aparÃªncias? Conforme vamos evoluindo, ouvindo e lendo mais, refinando nossa capacidade de anÃ¡lise crÃtica, reparamos nos detalhes sutis, entendendo as argumentaÃ§Ãµes sofisticadas e a multiplicidade de pontos de vista. E o que era preto ou branco ? pela certeza da ignorÃ¢ncia - fica cinza... Por exemplo, a ColÃ´mbia acertou ou errou quando invadiu o territÃ³rio do Equador para liquidar os terroristas das FARC? Em minha opiniÃ£o a ColÃ´mbia errou. Quebrou um princÃpio bÃ¡sico : invadiu a casa do vizinho. Isso nÃ£o se faz, Ã© um ato de violÃªncia, passÃvel de retaliaÃ§Ã£o. Mas em minha opiniÃ£o a ColÃ´mbia acertou: eliminou os terroristas que estavam seqÃ¼estrando, matando e ameaÃ§ando um governo eleito democraticamente. Mesmo que para isso tivesse que invadir a casa do vizinho. Portanto, tenho que condenar a ColÃ´mbia. Mas nÃ£o me atrevo a censurÃ¡-la. No lugar de Uribe eu faria a mesma coisa. Ã o velho choque entre princÃpios e pragmatismo. Quem estuda polÃtica estÃ¡ familiarizado com essa discussÃ£o. PrincÃpios ou crenÃ§as e valores constituem a base que suporta as aÃ§Ãµes de um indivÃduo. SÃ£o como filtros que determinam aquilo que entendemos como certo, correto, justo e leal. Esses filtros sÃ£o desenvolvidos ou inibidos conforme nossa educaÃ§Ã£o, na famÃlia principalmente, pelos exemplos de nossos pais e das pessoas que estÃ£o prÃ³ximas enquanto crescemos. Por exemplo, tenho como princÃpio nÃ£o roubar. Qualquer aÃ§Ã£o que eu decidir praticar tem que estar de acordo com esse princÃpio e nÃ£o admito deslizes. Ã claro e simples assim. Mas entÃ£o surge o pragmatismo, o ponto de vista que subordina a verdade Ã utilidade. NÃ£o roubo, por princÃpio. Mas se a vida de meu filho depender de eu roubar, vou roubar sim. VocÃª pode atÃ© dizer que isso Ã© compreensÃvel, que o princÃpio do roubo foi atropelado por um princÃpio mais forte: o da preservaÃ§Ã£o da vida. Mas a minha decisÃ£o terÃ¡ sido pragmÃ¡tica. O caso das pesquisas com as cÃ©lulas-tronco envolve o mesmo conflito entre princÃpios e pragmatismo. A legalizaÃ§Ã£o do aborto. E a questÃ£o do aquecimento global tambÃ©m. Lula abraÃ§ado a Sarney ou Collor Ã© um exemplo do pragmatismo que se sobrepÃµe a princÃpios. Todo aquele discurso idealista da esquerda cai por terra assim que ela assume o poder. Muitos dirÃ£o que Lula estÃ¡ errado ao trair seus princÃpios. Outros dirÃ£o que se ele nÃ£o agir assim, nÃ£o governa: para exercer polÃtica Ã© necessÃ¡rio ser pragmÃ¡tico. E entÃ£o passamos a aceitar certos deslizes como sendo ?parte do jogo?. Deixamos de lado nossos princÃpios em nome do pragmatismo. Esse Ã© o momento em que a luz de alarme deve ser acesa. Afinal, o que Ã© que vocÃª leva em consideraÃ§Ã£o para escolher um amigo ou eleger um polÃtico? Os princÃpios ou pragmatismo dele? Pois Ã©... NÃ£o existe mais preto ou branco. O mundo ficou cinza. * Luciano Pires Ã© jornalista, escritor, conferencista e cartunista. ...