A Urna (Eletrônica) da discórdia
*Por Mario Eugenio Saturno
A proclamação da República no Brasil selou uma nova organização política do país. O fim do império promoveu a queda de seu imperador absolutista e retirou-lhe o poder, repassando-o aos cidadãos. A ?Res Publica?, do latim que significa ?coisa do povo? ressurgiu no estado moderno com a Revolução Francesa que se fundamentou na liberdade e igualdade.
A Constituição de 1988, que rege o Brasil, assegura em seu primeiro artigo, no seu único parágrafo que ?todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição?. E no capítulo IV que trata dos direitos políticos, artigo 14, podemos ler que ?a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos?. E deve ser secreto para evitar duas situações nada republicanas: a coação ou corrupção do eleitor.
Se o sufrágio universal é a manifestação da soberania popular, apesar de secreto, o voto deve ser exercido de um modo imaculado, sem possibilidades de engano ou adulteração. O voto em papel não evita totalmente isso, uma vez que um voto pode ser ignorado pelo escrutinador na contagem dos votos; pode ser anulado, invalidando o voto; um voto em branco pode ser atribuído a um candidato, adulteração fácil; e ainda há as fraudes de transmissão de planilhas de urnas. Em suma, desrespeitar o cidadão na sua maior manifestação é uma prática conhecida.
Tendo isso em vista, em dezembro de 1993, o ministro Carlos Veloso solicitou ao INPE um plano para informatizar a Justiça Eleitoral Brasileira. A urna eletrônica foi uma proposta pela equipe do INPE como parte do processo de modernização. E o projeto, aprovado, foi enviado para a indústria brasileira. E usada pela primeira vez nas eleições municipais de 1996.
Enquanto o equipamento ganhava a experiência de campo, a Justiça Eleitoral ganhava conhecimentos em organização da eleição. A infraestrutura necessária para se realizar a eleição é tão ou mais importante que a própria urna eletrônica. E organização não é algo tão visível quanto a urna. As urnas eletrônicas, apesar de seguras e confiáveis padecem de um defeito grave: como verificar novamente os votos? O voto na Urna Eletrônica é virtual, um registro em uma memória volátil. Ao contrário do papel e tinta, a memória eletrônica pode ser manipulada muito mais facilmente. Essa é uma fraqueza inata e inerente dos meios modernos.
Como vimos, a constituição determina que o voto seja secreto, mas que preserve a opção do cidadão no sufrágio. Isso implica em facilidade de conferência do voto. E facilidade não é uma característica da Urna Eletrônica. Ao contrário, somente grandes especialistas estão aptos a verificar os sistemas complexos que compõem a urna. A incapacidade do cidadão comum verificar e confiar na Urna Eletrônica a torna um instrumento INCONSTITUCIONAL. Algo deve ser feito com urgência para torná-la melhor que a urna comum. Para isso as Urnas devem voltar a imprimir o voto e mostrar ao eleitor antes de ser jogada no saco. Acredito que somente 1% delas seria suficiente para validar estatisticamente as eleições e torná-las melhor que as de papel e caneta.
*Mario Eugenio Saturno é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano.
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