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A CULTURA DO VERGULHO
A CULTURA DO VERGULHO * Luciano Pires Existem leitores que sÃ£o indispensÃ¡veis. Enriquecem nossos textos, abrem horizontes, sugerem caminhos e ampliam as possibilidades. Escrevem para reclamar, para perguntar, para contestar, mas sÃ£o sempre positivos. Querem construir. Como o Claudio, que ao ler um artigo em que eu falava do orgulho e da vergonha de ser brasileiro, soltou esta pÃ©rola: ?... se tenho orgulho ou vergonha do meu paÃs? Acho que tenho vergulho... Ou orgonha... Vale ter vergonha e orgulho ao mesmo tempo??. Ãtima pergunta Claudio! Ela resume a contradiÃ§Ã£o do ?ser brasileiro?. Hora somos abenÃ§oados, hora somos amaldiÃ§oados. Na verdade, talvez sempre tenha sido assim, a histÃ³ria balanÃ§ando como um pÃªndulo, indo cada vez para um lado. Se nos anos cinqÃ¼enta Ã©ramos o orgulhoso paÃs do futuro, cheio de conquistas, de herÃ³is, de mÃºsica e de esperanÃ§a, da metade dos anos sessenta Ã metade dos oitenta ficamos mais sÃ©rios, mais contidos, mais medrosos enquanto observÃ¡vamos o ?milagre econÃ´mico? e os generais carrancudos. Depois, na dÃ©cada de noventa, durante os anos da abertura, ficamos desorientados, desbundados, perplexos e ansiosos diante da abertura dos portos, da globalizaÃ§Ã£o e da democracia. E entramos no novo milÃªnio para descobrir que faltava-nos preparo, estrutura, cultura, coragem e conhecimento para que o Brasil finalmente acordasse de seu berÃ§o esplÃªndido. E broxamos ao descobrir (na verdade, acho que para a maioria a ficha ainda nÃ£o caiu) que Ã© impossÃvel construir um paÃs sem um plano. E sem gente comprometida a realizar o plano. Pois deu no que deu. NÃ£o sei se tenho orgulho ou vergonha no paÃs onde todo mundo tem opiniÃ£o sobre tudo, baseado naquilo que ouviu dizer. Onde o principal meio de informaÃ§Ã£o Ã© a televisÃ£o apressada, superficial e refÃ©m dos objetivos comerciais. O paÃs onde polÃtica Ã© balcÃ£o de trocas. Onde a inveja Ã© moeda corrente, onde uns torcem para que os outros nÃ£o dÃªem certo. O paÃs onde o conselho mais comum Ã©: ?Cuidado! Agora nÃ£o Ã© hora! Espera um pouco. Deixa pra depois.?. Minha esperanÃ§a estÃ¡ sabe onde? Em nossos filhos. Apesar do massacre cultural sem precedentes vejo neles uma centelha de indignaÃ§Ã£o. Uma pequena chama de revolta produzindo uma tÃmida luz de esperanÃ§a. Essa chama pequenina quase desaparece, sufocada por gente que acha normal o Presidente da RepÃºblica elogiar em pÃºblico um polÃtico sabidamente corrupto. Ou o gari que devolveu ao dono o dinheiro perdido ser tratado como herÃ³i ou trouxa, nunca como uma pessoa normal. Gente que acha certo ?inaugurar? obras pela metade em ano de eleiÃ§Ã£o. Que a televisÃ£o explore a tragÃ©dia exibindo incessantemente videoclipes melosos da inocente menininha assassinada sabe-se lÃ¡ por quem. Gente que acha normal um senhor de cabelos brancos, mÃºsico conhecido, dizendo na TV que ?sem socialismo nÃ£o dÃ¡ pra falar de amor?. Ã, meus amigos, nÃ£o estÃ¡ fÃ¡cil... Temos que alimentar aquelas pequeninas chamas escrevendo, conversando, palestrando, explicando, provocando... Jamais nos alinhando aos que estÃ£o conformados ou acham ?normal? o que deveria nos indignar. Para que depois que nos retirarmos da luta nossos filhos continuem atÃ© eliminar deste paÃs a cultura do vergulho e da orgonha. Para que um dia um lÃder verdadeiro diga na televisÃ£o, de forma legÃtima e honesta: ?Nunca antes neste paÃs as pessoas tiveram tanto orgulho. E vergonha na cara?. Luciano Pires Ã© jornalista, escritor, conferencista e cartunista ...