NO PEITORIL DA JANELA
NO PEITORIL DA JANELA
* Percival Puggina
Recebo cerca de duas centenas de mensagens eletrônicas por dia. A maioria falando mal dos políticos. Desbarrancou uma estrada em Santa Catarina ? pau nos políticos. O governo não paga precatório ? pau nos políticos. Congresso decide assim, pau; decide assado, pau. A polícia prende políticos, pau; a justiça solta, pau. Pesquisa de opinião para saber qual é o último poleiro no galinheiro da credibilidade? Lugar cativo para a política. Dos parlamentos, nem falar. Se fechassem todos, o Brasil celebraria.
O fenômeno que descrevo é tão constante na mídia e tão nítido nas manifestações da opinião pública que se tornou tema de estudo acadêmico. Quando há eleições, votamos contrariados, coagidos, mais ou menos como galinhas chamadas a escolher entre a panela de ferro ou a panela de barro. Essa conduta é reforçada pelo jornalismo político: raros são os colunistas que ocupam seus espaços com algo mais do que a crítica negativa e o tititi partidário. Pergunto: sustentar-se-ia no emprego um analista econômico ou um colunista esportivo que se conduzisse pelos mesmos irrelevantes critérios?
Cada palestra que faço sobre esse tema (e contam-se às dezenas) me evidencia, mais e mais, o quanto é necessário combater a duas atitudes: a da imprensa que reserva seus principais espaços para matérias que se repartem entre o frívolo e o indecoroso, e a da sociedade que desdenha a ribalta e aqueles que nela se movimentam. Na ?aldeia? de McLuhan, na sociedade de massa, a má política nasce, precisamente, da conjugação dessas condutas. Elas se potencializam reciprocamente. O lugar onde se deve cuidar do bem comum acaba sendo um espaço onde só batem palmas aqueles que, de uma forma ou de outra, se banham nos respingos do erário.
Não é preciso ser gênio para compreender que a situação só serve à esquerda não democrática, levando o Estado de Democrático de Direito ao descrédito. O prestígio de Lula, aliás, foi sendo estabelecido sobre um senso comum assim construído. A fúria com que a esquerda brasileira atacou os festejos dos 500 Anos do Descobrimento rima com esse comportamento. Participou de sua estratégia para chegar ao poder, fazendo do passado terra arrasada. E o fato de haverem frutificado no governo dele, Lula, as muitas providências plantadas por seus antecessores Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, fez o resto do serviço. O custeio da União já passa dos 20% do PIB apesar da privatização de mais de uma centena de estatais, mas quanto mais cresce a repulsa pela política, mais avança o prestígio de Lula, esse esbanjador.
Não saberia dizer se a sociedade brasileira já está suficientemente corrompida por isso como para absorver um casuísmo em favor de mais tempo de poder para Lula. Não saberia dizer. Mas sei como ele chegou aos índices atuais. E sei que as forças democráticas, ao promoverem o descrédito em relação à política, ao descuidarem das questões de fundo, ao não atentarem para as relações de causa e efeito, ao deixarem que a superficialidade da grande imprensa as conduza pelo nariz, estão fazendo o jogo daqueles a quem pretendem combater. Atiram no próprio pé. Fazem o laço na corda que vai parar no seu pescoço. Sentam no peitoril da janela com os pés balançando para o lado de dentro. Se é que me entendem. E ficam ali, convencidos de estarem fazendo uma grande coisa.
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* Percival Puggina (63) é arquiteto, empresário, escritor. articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país.
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