Rabino Samy Pinto
A DELAÃÃO PREMIADA E O DIREITO TALMÃDICO
Uma prática da justiça tem se tornado um assunto habitual entre os brasileiros e tomou conta dos noticiários: a delação premiada. A expressão jurÃdica, que pode ser entendida como âuma troca de favoresâ, encontrou espaço no centro do debate polÃtico do paÃs. Esse destaque veio em razão dos inúmeros casos em que foi adotada nos últimos tempos, e ganhou ainda mais visibilidade por meio da Operação Lava Jato, a maior investigação sobre corrupção no Brasil em ação desde 2014.
A Lava Jato, e tudo que envolve seu nome, desperta nos brasileiros grande interesse, incluindo ao que tange a metodologia jurÃdica, que gera cada vez mais debates sobre sua ética, inclusive entre os operadores do direito. Dentro do judaÃsmo, através da literatura do Talmud e das leis da Torá, é possÃvel encontrar uma profunda reflexão sobre o assunto, que são de caráter atemporal, válidas para o passado, presente e futuro.
A delação premiada, que se tornou tão popular na operação Lava Jato, é baseada na negociação entre pessoas envolvidas em um crime e as autoridades, com objetivo de facilitar as investigações dos oficiais da lei. A visão do judaÃsmo não pretende defender ou criticar nomes ou nichos da sociedade, mas apenas avaliar se a delação premiada é admissÃvel pela Torá.
Para o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), um dos defensores da lei que regulamentou a delação premiada no Brasil, o que a medida realiza é a busca pela verdade. Porém, os 10 Mandamentos são claros ao pregar: âNão darás falso testemunho contra teu próximoâ e, ainda nesse campo também ensinam âNão dê ouvidos à maledicência. Não acompanhes o mau para servir de falso testemunhoâ.
De acordo com esses trechos, a Torá não aceita qualquer indivÃduo como testemunha. Principalmente, se ele for um âEd Chamasâ, ou seja, alguém envolvido em um caso de roubo, pois, é necessário manter a ficha limpa durante toda a vida. Mas por que a rigidez sobre esse assunto?
Em casos assim, é nÃtido o interesse do delator na causa de anular ou aliviar sua pena, portanto, como acreditar na isenção de seu depoimento? De acordo com a Lei Judaica, esse tipo de testemunha, motivado pelos fatores da delação, será capaz de produzir mentiras, invenções e transmitir informações seletivas.
Quando essa prática jurÃdica foi levada a Israel, trazida da Europa, o ex-Grão Rabino Chefe, Mordechai Eliahu zâl e o ex-Rabino Chefe da Corte de Israel, Abraham Shapira, concluÃram que os depoimentos obtidos por meio da delação premiada não são kosher, quer dizer, não são apropriados, não tem validade, porque o depoente é suspeito de atuar em benefÃcio próprio ou de outros envolvidos no caso.
Essa análise nos faz questionar: como podemos acreditar nos testemunhos obtidos dessa maneira? Até que ponto deve-se considerar as falas dos delatores como verdade?
A Lei do Talmud é sensÃvel à causa educacional, e para uma sociedade que valoriza o resultado, e não o processo, a Lava Jato é um sucesso. Mas será que não seria importante se questionar: os fins justificam os meios?
SAMY PINTO, Formado em Ciências Econômicas, se especializou em educação em Israel, na Universidade Bar-llan, mas foi no Brasil que concluiu seu mestrado e doutorado em Letras e Filosofia, pela Universidade de São Paulo (USP). O Rav. Samy Pinto ainda é diplomado Rabino pelo Rabinato chefe de Israel, em Jerusalém, e hoje é o responsável pela sinagoga Ohel Yaacov, situada no Jardins (SP), também conhecida como sinagoga da Abolição....