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Uma Lata de Biscoitos Amanteigados
Uma Lata de Biscoitos Amanteigados * Helder Caldeira Chegou a Páscoa! No próximo domingo estaremos reunidos em família para os tradicionais almoços e perdendo a linha da dieta saboreando os ovos de chocolate e todas as guloseimas típicas desse período do ano. Para muitos, a Páscoa, assim como o Natal, são as únicas datas do ano para aquela visita aos pais e avós, aqueles que um dia foram jovens, nos colocaram no mundo e agora, depois de velhos, estão relegados ao nosso esquecimento diário e aos momentos festivos. É triste perceber que muitos de nossos idosos são tratados como biscoitos amanteigados dispostos em uma lata que ficará escondida no alto do armário da cozinha e de lá só sairá em ocasiões muito especiais. É lamentável que isso ainda aconteça. Na semana passada, uma inusitada troca de mães em um hospital do Rio de Janeiro, chocou o Brasil. Duas senhoras com cerca de 60 anos de idade sofreram um AVC no mesmo dia e foram hospitalizadas. Uma delas faleceu e a outra perdeu suas funções motoras e a memória. No ?ato da entrega? às famílias, tal qual um fardo inexpressivo, nem a equipe do hospital, nem mesmo os filhos, reconheceram um pitoresco detalhe: as mães estavam trocadas. É importante ressaltar que em nada as senhoras eram parecidas. Por meses, a família da sobrevivente tratou-a como se a morta fosse e família da falecida chorou a perda daquela que estava viva. Indiferentes aos ?equívocos? administrativos do hospital, o que essa situação nos faz crer? Como podem os familiares, filhos, netos, genros e noras, não reconhecerem sua própria matriarca? A resposta é tão simples quanto indecorosa. A verdade é que, passada nossa infância, olhamos cada dia menos para nossos velhos. Na mesma proporção em que ganhamos às ruas, o nosso dinheiro e a nossa liberdade, notamos cada vez menos os fios brancos que vão surgindo naqueles que nos conceberam. E pode chegar o dia em que não saberemos mais quem eles são ao certo. Mas será esse ?esquecimento? um simples reflexo cultural de nossa sociedade? Assim como mantemos nossos idosos em latas de biscoito ou em fotografias antigas, nossas políticas públicas fazem questão de esquecê-los. Infelizmente a tradição política brasileira está fundada sob a ótica eleitoral e como a nossa Constituição garante o voto facultativo aos cidadãos com mais de 70 anos, poucos são os governos que destinam alguma atenção que seja à Terceira Idade. Quando acontece, o máximo que vemos é a construção de calçadas para caminhadas ou a contratação de estagiários que irão ministrar exercícios físicos em algum local de grande movimento e que possa render alguma visibilidade ao ato do governante. Ainda pior: muito além das políticas públicas, não há uma compreensão do que é ser idoso. Reféns de um vergonhoso sistema previdenciário que rouba-lhes a própria dignidade e esquecidos, em sua maioria, pelas famílias, resta aos nossos velhos encontrar algum passatempo que pareça encurtar a espera da morte ou buscar, por si mesmos, alternativas de produção e prazer para curtir a vida que lhes resta. Há uma necessidade premente de que os governos e os governantes olhem para nossos idosos e, sobretudo, que consigam enxergá-los como cidadãos em pleno gozo de seus direitos e deveres. Que o próximo domingo festivo sirva para nos ensinar a olhar e enxergar mais e melhor nossos idosos. Não podemos esquecer nossos velhos dentro de uma lata de biscoitos amanteigados escondida num canto, em cima do armário. Eles são a melhor parte daquilo que nos constitui. Eles foram o que somos e são o que seremos. E não há ninguém melhor a quem desejar uma Feliz Páscoa. Eles são a essência e estarão sempre renascendo em cada um de nós. * Helder Caldeira é articulista e político (heldercaldeira@folha.com.br). ...


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