PORTOS ABERTOS
PORTOS ABERTOS
* Adilson Luiz
Nasci, fui criado e vivo numa cidade portuária: Santos. Afora períodos de férias e viagens de trabalho, só me ausentei dela, de forma prolongada, quando fiz uma pós-graduação no exterior, curiosamente, também uma cidade portuária: a francesa Marselha.
O ir e vir dos navios, sempre trouxe à cidade: tripulantes de várias origens, roupas e rostos exóticos; ventos de liberdade, progresso e também de alguns males, mas nada que resultasse em preconceitos exacerbados. Aliás, cidades portuárias, desde a Antiguidade, sempre foram símbolos de tolerância: terras em que radicalismos de qualquer espécie tendem a ser amenizados em nome da curiosidade, da saudade e da necessidade de abrigo.
Se as trilhas terrestres foram as primeiras a ligarem civilizações, a navegação encurtou ou deu alternativa a essas distâncias, embora nem sempre as intenções de seus ?argonautas? fossem de aproximar e congraçar povos distantes.
Para além das ?Colunas de Hércules?, a aventura das marés e tempestades fazia ferver e tremer, mas nada superava o êxtase do encontro de um porto seguro. Mas esses portos seguros, passagens de uma única fronteira mesmo entre países distantes, cruzamentos do mundo, também foram alvos principais nas guerras e veículos de pandemias. Talvez por isso as cidades que os ladeiam, tenham adquirido a capacidade de renascer e transformar-se constantemente; de consolar a tristeza da partida com a esperança da volta.
Navios trouxeram a eles lamentos de escravos e degredados, mas também esperanças e destinos de imigrantes, clandestinos ou não.
Neto de estivador, que também imigrou de navio para o Brasil, trazendo meu pai, seria difícil manter-me distante do porto e do mar, que faz parte de minha vida desde a infância: dos castelos de areia às ?peladas?, com bola ?dente-de-leite?; das pipas muticoloridas às sereias quase peladas: visão de deleite. Assim, além de engenheiro, professor e aprendiz de escritor, também tenho o cais do porto como chão de lida: operário das marés. E não vejo nenhuma contradição nisso, mas uma tradição que se reaprende a cada nova carga ou descarga: lições a granel mesmo em tempos de contêineres. Além disso, os quatro elementos da natureza: água, terra, fogo e ar encontram seu lugar comum na beira do mar, que também é do cais. O fogo é a chama que ilumina os seres humanos que nele interagem; fogo que, como um farol, afasta do perigo, mas também indica o caminho do porto seguro.
Os berços onde as embarcações acostam também me fazem sonhar com países distantes, que dificilmente irei conhecer. As amarras fixadas nos cabeços não são correntes que escravizam: são raízes temporárias, laços que permitem a troca de coisas, sorrisos e histórias. Ali, predomina o espírito cosmopolita, como Walter Franco bem definiu em sua ?Vela Aberta?: ?Sou irmão dos outros povos que estão para além do mar?. Espírito que ?contamina?, para o bem, a cidade.
A vida da gente, de certa forma, também deve ser qual um porto: mesmo que imóvel, nunca deixar de ser ponto de partida e chegada, de aprender e ensinar, de sonhar e fazer.
Assim também devem ser as cidades, mesmo que não tenham portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias: portais do mundo; veículos de uma globalização pelo respeito e permuta com quem passa ou fica; pontos onde sempre se deixa um tanto e leva-se outro, incensados com a esperança da volta. Pois toda cidade que recebe bem e despede-se com um: ?Até breve!?, também é porto de gentes.
Assim também deveriam ser as pessoas: portos abertos ao mundo!
A vida e o mundo seriam, com certeza, melhores.
Adilson Luiz é mestre em educação, escritor, professor universitário.
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