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DA CARIDADE AO INVESTIMENTO SOCIAL
DA CARIDADE AO INVESTIMENTO SOCIAL CARLOS NICODEMOS* Historicamente, desde o sÃ©culo XVI, a polÃtica do Estado brasileiro para as crianÃ§as e os adolescentes, Ã Ã©poca chamados de ?menores?, foi marcada pelo significado da piedade, que se traduzia na doaÃ§Ã£o convertendo-se religiosamente na filantropia. Muito desta histÃ³ria se deve ao fato da crianÃ§a nÃ£o ter sido, ao longo destes anos, um foco prioritÃ¡rio do Estado em razÃ£o da sua incapacidade produtiva somado ao Ã´nus (custo social) que a mesma gerava e gera em termos de investimento. Esta ausÃªncia do Estado, do poder pÃºblico, abriu espaÃ§o para a atuaÃ§Ã£o da Igreja que, solidariamente, cuidou desta polÃtica, consolidando assim a compreensÃ£o da doaÃ§Ã£o pelo espÃrito solidÃ¡rio da benesse. A partir de 1988, com o advento da ConstituiÃ§Ã£o Federal, que articulada com a ConvenÃ§Ã£o Internacional dos Direitos das CrianÃ§as da ONU, e do Estatuto da CrianÃ§a e do Adolescente, Lei 8.069/90, consolidou-se um novo entendimento sobre o papel da crianÃ§a na sociedade, passando esta a gozar da condiÃ§Ã£o de sujeito de direitos e nÃ£o mais objeto de tutela da caridade. A mesma ConstituiÃ§Ã£o Federal, estabeleceu que a proteÃ§Ã£o integral para crianÃ§a e o adolescente, nÃ£o era mais uma questÃ£o de governo. Agora, famÃlia, sociedade e Estado (Artigo 227 da CF88) deverÃ£o envidar esforÃ§os estratÃ©gicos para assegurar Ã CrianÃ§a o direito Ã cidadania. Dentro destas estratÃ©gias, encontramos os Conselhos de Direitos das CrianÃ§as e dos Adolescentes, que foram criados a partir da Lei 8.069/90, em nÃvel municipal, estadual e nacional, com a finalidade de articular, deliberar e fiscalizar a PolÃtica do Estado (sentido amplo) sobre os direitos infanto-juvenis. Os Conselhos de Direitos, referencial da democracia participativa no Estado brasileiro, considerando que os referidos Ã³rgÃ£os sÃ£o compostos de representantes do governo e da sociedade civil organizada, sÃ£o dotados de fundos especiais (FIA ? Fundo da InfÃ¢ncia e AdolescÃªncia) que podem receber recursos do orÃ§amento pÃºblico, de multas administrativas e de investimentos sociais. Esta Ãºltima modalidade permite que Pessoas FÃsicas e JurÃdicas possam investir respectivamente, 6% e 1% do Imposto de Renda que serÃ¡ pago ao Governo Federal. Para isso, os Conselhos de Direitos devem regulamentar o FIA atravÃ©s de mecanismos prÃ³prios, Ã luz da legislaÃ§Ã£o vigente. Em muitos estados como SÃ£o Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (www.cedca.rj.gov.br) jÃ¡ se opera o FIA, atraindo milhÃµes de reais para serem investidos na polÃtica de proteÃ§Ã£o dos direitos de crianÃ§as e adolescentes. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo dados de 2008, o potencial de doaÃ§Ã£o de Pessoa FÃsica Ã© de R$ 110 milhÃµes e o da Pessoa JurÃdica Ã© de R$ 270 milhÃµes, perfazendo um total de R$ 380 milhÃµes que poderiam ser investidos no FIA. Mas uma elementar estÃ¡ colocada neste cenÃ¡rio. Pode o investidor opinar sobre em que projeto ou programa deve ser investido o recurso que ele destina numa modalidade moderna de participaÃ§Ã£o cidadÃ£ para a formulaÃ§Ã£o de uma polÃtica de Estado? Deve! Superamos os sÃ©culos de caridade e filantropia do passado, para dar lugar, a partir da ConstituiÃ§Ã£o Federal de 1988, a um novo conceito de polÃtica pÃºblica participativa. Afinal famÃlia, sociedade e estado devem juntos trabalhar pela causa da proteÃ§Ã£o integral. Desde 1980, o Brasil vem desenvolvendo um conceito de Responsabilidade Social das Empresas. Este conceito, que surgiu com a provocaÃ§Ã£o do sociÃ³logo Hebert de Souza (?Betinho?), hoje dÃ¡ lugar a um Segundo Setor (mercado) cada vez mais organizado e Ã¡vido em participar de processos sociais, linhas de desenvolvimento de polÃticas que possam promover cidadania, especialmente nas suas Ã¡reas de influÃªncia. Muito lÃ³gico, visto que este retorno para sua base geopolÃtica desencadeia um processo de retroalimentaÃ§Ã£o social e econÃ´mica que retira a condiÃ§Ã£o de meras exploradoras, assumindo assim um papel diferenciado de investidores sociais. Certamente, os Conselhos de Direitos, especialmente nos municÃpios, deverÃ£o, dentro da legalidade e da sua autonomia funcional, assumir este diÃ¡logo com o segundo setor. O Plano de AÃ§Ã£o do Conselho de Direitos da CrianÃ§a, instrumento fundamental para este processo, deve ser reflexo das demandas sociais deste grupo. Mais do que isso, deve ser produto de um contÃnuo diÃ¡logo entre todos os atores polÃticos e sociais, permitindo assim sairmos finalmente da lÃ³gica da doaÃ§Ã£o para o investimento. ApÃ³s 19 anos de Estatuto da CrianÃ§a e do Adolescente, estÃ¡ colocado este desafio, que transcende o debate jurÃdico para ecoar no campo polÃtico, deixando a seguinte reflexÃ£o: a polÃtica de proteÃ§Ã£o dos direitos das crianÃ§as Ã© responsabilidade de todos, inclusive do mercado. * CARLOS NICODEMOS Ã© Presidente do Conselho Estadual de Defesa da CrianÃ§a e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro, Membro da ComissÃ£o de Direitos Humanos da OAB/RJ, Advogado e Coordenador da OrganizaÃ§Ã£o de Direitos Humanos ? Projeto Legal. ...