O pão nosso de cada dia e o etanol de toda a vida
O pão nosso de cada dia e o etanol de toda a vida
João Sampaio *
Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faça declarações pontuais quanto à incorreção de se imputar culpa à bioenergia pelo aumento do preço dos alimentos, o governo brasileiro precisa adotar providências eficazes para disseminar o conceito. Isto exige esforços nas áreas da comunicação e da diplomacia, e a hora é agora, aproveitando-se as oportunidades abertas pela reunião realizada em Berna, na SuÃça, na qual diretores de agências das Nações Unidas, Banco Mundial (Bird) e Organização Mundial do Comércio (OMC) avançaram na discussão do problema e o abordaram com mais lucidez do se observava anteriormente.
Aspecto positivo do encontro foi o reconhecimento de que os biocombustÃveis, em especial o etanol, não são os únicos fatores responsáveis pela redução da oferta de alimentos. Apontaram-se causas muito mais caracterizadas e graves, como a falta de investimentos no setor agrÃcola, os subsÃdios da União Européia e dos Estados Unidos, que distorcem o comércio, as más condições climatológicas e a degradação ambiental. Também foi muito pertinente a criação, pela ONU e o Bird, de força-tarefa para combater a alta sem precedentes dos preços de produtos alimentares.
Cabe à comunidade internacional atender ao chamado, contribuindo para a rápida adoção das medidas, dentre elas a doação de US$ 2,5 bilhões, destinados ao enfrentamento da crise. Os recursos, gerenciados por fundo especÃfico do Bird, anunciado em Berna por seu diretor, Robert Zoellick, serão aplicados no financiamento da agricultura dos paÃses pobres. Outra proposta do encontro que todas as nações deveriam acatar é o fim das restrições à s exportações de alimentos, pois esses limites têm provocado majorações nos preços. Caso que demonstra isto claramente ocorre com os pães no Brasil, devido à paralisação da venda externa de trigo pelos argentinos.
As medidas anunciadas na SuÃça respondem à preocupação quanto à quebra de safras e estoques baixos, externada por Jacques Diouf, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O dirigente vem, há tempos, alertando que a forte expansão econômica em paÃses em desenvolvimento e a crescente demanda por energia são outros fatores que impulsionam os preços dos alimentos, cujos estoques globais estão no nÃvel mais baixo desde 1980. Nesse contexto, é assustador o dado de que as reservas são suficientes para atender a uma demanda de apenas oito a doze semanas.
A situação é mesmo preocupante, mas não se justifica que se virem todas as baterias para o programa brasileiro do etanol, que tem sido um dos alvos prediletos de algumas organizações internacionais. Nessa discussão, deve-se salientar que, independentemente das declarações de seu diretor, o acervo de informações técnicas da FAO contém dado emblemático e conclusivo: ?O Brasil é o paÃs com a maior área agricultável ainda disponÃvel?.
Esse reconhecimento tácito do principal organismo multilateral da área da agricultura e alimentação atesta a capacidade brasileira de conciliar a produção de alimentos com os biocombustÃveis. Por outro lado, aumenta a responsabilidade do PaÃs de ser mais pró-ativo neste momento. Afinal, o reconhecido ?celeiro do mundo? não pode ficar fora dessa discussão. à premente mostrar que a agropecuária brasileira cobre 235,1 milhões de hectares, dos quais a cana-de-açúcar ocupa somente seis milhões de hectares, ou 2,5%. Cinqüenta por cento de sua cultura destinam-se à produção de açúcar e a outra metade, de etanol. Este, portanto, utiliza apenas 1,25% de toda a área, para uma produção atual de 20 bilhões de litros por ano.
Esses são os números que o Brasil precisa tornar conhecidos e reconhecidos na ONU, na FAO, no Bird, na OMC, nas instâncias de decisão e opinião pública internacional. Nosso governo não pode aceitar de maneira passiva os ataques ao etanol. Seu preço mais baixo e menor grau de poluição configuram diferencial competitivo de alto valor agregado, numa economia global que paga US$ 120 por barril de petróleo e num ecossistema planetário saturado de monóxido de carbono. Ademais, combustÃvel mais barato também tem impacto no preço dos alimentos, inclusive no transporte da safra recorde de grãos que colheremos este ano!
*João Sampaio, economista, é secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
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