Os conflitos de Alice
Os conflitos de Alice
Ivan Postigo *
Alice, caçula de cinco irmãos, era a única que se identificava com a vocação industrial da família. Formada em engenharia de produção, pós-graduada em administração financeira, resolveu criar seu próprio negócio. Como o pai tinha gênio forte e não aceitava ordens. Um dos aspectos que sempre a incomodara, observando o mercado, era o enorme esforço de produção para competir com produtos vindos do outro lado do mundo que eram oferecidos no varejo a preços baixos, classificados por ela como ?preços de banana?.
Sua decisão foi de trabalhar com produtos que atendessem um mercado restrito, com alto poder aquisitivo, disposto a pagar um pouco mais caro por algo que tivesse a qualidade reconhecida. Alice começou a fabricar e apresentar aos revendedores seus produtos que seguiam normas rigorosas de produção. Seu lema era: ?Fabricamos os melhores produtos do mercado, com as melhores matérias-primas e com mão-de-obra altamente qualificada?.
Nenhuma pesquisa havia sido desenvolvida para a escolha do produto e definição do mercado que exploraria, quando lhe perguntavam porque havia tomado aquela decisão a resposta era sempre a mesma: - Meu DNA. Minha família está há três gerações explorando esse mundo, meu café da manhã foi minha faculdade.
Alice, em seu estágio na empresa, mais entrou em conflito com o pai do que se dedicou a entender o que realmente acontecia e porque, saindo logo em seguida para aplicar sua mesada no próprio negócio.
Uma vez no mundo real, sem a segurança dos sonhos universitários, descobriu que do outro lado do mundo e também há quatro quarteirões, outras empresas já fabricavam há muitos anos ?os melhores produtos do mercado, com as melhores matérias-primas, com mão-de-obra altamente qualificada?, algumas treinadas nas melhores escolas e empresas no exterior.
Começou a perceber que qualidade total em muitas empresas já estava incorporada na cultura, não era mais um simples procedimento escrito e uma exigência da direção.Para seu incomodo, entendeu que no mercado que tentava explorar a marca do produto tinha um peso enorme, era um aspecto significativo para o consumidor. Este deixava de observar a qualidade e, frequentemente, fazia a escolha pela identificação com as logomarcas. O mercado revendedor reverenciava seu esforço, mas não tinha disposição para abraçar o seu projeto, preferindo produtos de fácil venda e maior giro. À medida que ouvia as objeções de compra menos flexível se tornava nas negociações.
Para Alice investir alto em sua fábrica e ainda ter que se preocupar com o ponto de venda era altamente irritante. Quando a equipe de venda fazia recomendações nesse sentido sem demora respondia: - Cada um que cuide de seus negócios!
Propaganda para quê? Gastar para facilitar a vida dos revendedores, aumentar os lucros de terceiros, enquanto na sua empresa os custos só aumentavam? Não! Para Alice, não. Aquilo era uma afronta!
Não demorou para que ela aplicasse toda mesada no negócio e esta não sendo suficiente começasse a descontar as duplicatas para fazer frente aos compromissos.
Agora, gastando boa parte de seu tempo para equacionar as questões financeiras e conseguir fornecedores, devido aos atrasos de pagamento, Alice, sem tempo e disposição para ouvir o mercado, continua trabalhando para fabricar e posicionar seu produto de alta qualidade num mercado seletivo, altamente competitivo, sem planos para o futuro e sem motivação para buscar ajuda. Sua disposição para o conflito devido às pressões que vem sofrendo aumentou, com isso perdeu e trocou boa parte da equipe.
Seu DNA continua falando alto, cada dia vê-se mais agarrada às suas convicções. O jargão de Alice, ninguém me ajuda, ninguém me traz uma luz, um dia pregou-lhe uma peça. Enquanto aguardava ser atendida pelo seu dentista. Leu em uma revista: - ?Nada se pode ensinar aos homens, podemos apenas ajudá-los a encontrar suas próprias verdades?. Alice, enquanto espera sua vez de ser atendida prometeu a si mesma que irá reunir a equipe no dia seguinte para que juntos possam refletir e encontrar uma saída para a empresa. A questão fundamental é se o seu DNA vai permitir!
* Economista, Bacharel em contabilidade, pós-graduado e autor do livro: Por que não?.
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