As Isabelas nossas de cada dia
As Isabelas nossas de cada dia
* Sandro Paio
O mundo inteiro está acompanhando, através dos veículos de comunicação, os desdobramentos do julgamento do Caso Isabela, a menina morta em São Paulo, jogada do apartamento de seus pais do alto de um prédio de luxo. Mais do que julgar se foram os pais que cometeram o assassinato, o caso se tornou emblemático por que o que mais marcou foi a frieza da morte de uma criança inocente, e o descarte de seu corpo como se fora qualquer objeto sem valor. A matéria ganhou ainda mais destaque nas páginas de jornais e no espaço da televisão, não por causa do crime, mas porque os envolvidos eram uma família tradicional, rica, com muitas posses,...
Porém, a nossa atenção deve ser voltada para uma realidade ainda mais triste que a morte da menina Isabela. É que existem dezenas, centenas e até milhares de crianças inocentes, que não se chamam Isabela, que são apenas crianças comuns, pequenas isabelas que foram assassinadas, mas continuam no mais completo anonimato, sem falar de outras que ainda continuam a ?serem jogadas pela janela? praticamente todos os dias. O que quero dizer, é que um grande número de crianças, continuam a serem assassinadas e espancadas no Brasil diariamente, no entanto, sem cobertura ao vivo da televisão, nem tampouco espaço numa página de jornal.
É claro que nem todo crime atinge grande repercussão na mídia nacional, mas não deixa de ser um crime contra uma criança inocente. Afinal, até onde aprendemos nas aulas de religião e/ou de civismo, toda criança é um ser inocente. Ou será que esta inocência se perde conforme a classe social a que ela pertence? Será que o assassinato de uma criança na favela, cometido por traficantes, é menos importante do que o da filha de um executivo classe alta? Será que as crianças isabelas que foram assassinadas pelos seus pais e tiveram os corpos esquartejados numa tentativa de ocultar o crime têm menos inocência e menor importância do que a menina jogada pela janela? Será que o menino morto enquanto jogava bola no Rio de Janeiro é lembrado apenas pelos seus familiares? E as crianças isabelas mortas no Pará? A menina que não se chamava isabela e foi jogada na represa? O menino que denunciou um assalto e foi morto? Não dá nem para imaginar o número de isabelas que se transformaram em vítimas neste país, mas não ganharam as páginas de jornal, nem viram seu assassino ser julgado em rede nacional de rádio e televisão.
É muito triste saber que esta situação perdura e que nossas isabelas continuam sendo mortas não apenas nas ruas, mas até dentro de nossas casas, num grande número de vezes, por gente que tinha a obrigação moral de protegê-las. É triste ver quer na maioria das vezes o papel do Estado também deixa a desejar, não apenas no quesito segurança, mas em não conseguir propiciar às famílias o mínimo necessário para lhes permitir uma vida no mínimo digna.
Contudo, talvez a mais triste realidade de todas, é que, ao ver o sofrimento e martírio de inúmeras crianças isabelas, acabemos por constatar a nossa própria frieza frente a um aparelho de televisão, sequiosos por ver o rosto, a história e a tragédia de mais uma criança isabela, e fazemos isso tantas e tantas vezes seguidamente, que isso acaba por nos fazer perder a nossa própria capacidade de indignação, e transformando cada criança morta, com ou sem tragédia, em apenas mais uma isabela qualquer vista num programa sensacionalista da televisão.
* Sandro Paio é jornalista e publicitário
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