O MILHO E O FUBÁ
O MILHO E O FUBÁ
* Luciano Pires
Minha filha adolescente dá um trabalho... Tira notas baixas na escola e quando vou reclamar ela diz com todas as letras:
- Todo mundo foi mal. Até mais do que eu.
Reclamo que ela não estuda, que fica tempo demais na internet. E ela é infalível: ?Os outros alunos também ficam.?
No final de semana sai com as amigas. E eu fico na orelha para que ela não ande no carro dos amigos mais jovens, que ainda não têm noção do perigo e que bebem nas festinhas. ?Ah, pai, todo mundo anda!?
Quer festa de aniversário. Vai convidar os amigos. Menores. Digo que não vou deixar servir bebidas alcoólicas. Lá vem bomba: ?Mas em todas as festas que eu vou eles servem!?
Aí chegam as provas de final de ano. Resultado: dependência. As malditas ?depês?. Pulo na garganta dela, só para ouvir: ?Os outros também ficaram.?
E quando ela vem com suas desculpas de adolescente, mando o velho:
- Quando você vai com o milho, já voltei com o fubá.
E assim levo a vida, em constante atrito com a aborrescente. Até ela amadurecer e entender que existe uma coisa chamada ?responsabilidade?, e que não deve usar o comportamento da maioria de seus amigos como justificativa para seus erros e omissões.
Esse talvez seja o maior desafio dos pais: desenvolver o senso de responsabilidade nos filhos. E também o ensinar como utilizar a prática da paridade. Paridade é uma comparação que prova que uma coisa é igual a outra, ou semelhante. É por meio dela que entendemos o mundo. A gente vê ou ouve as coisas e exercita a paridade, comparando o que vemos ou ouvimos com o que conhecemos. Esse exercício comparativo - com base em nossos valores e convicções - é que fundamenta nossos julgamentos. Consideramos algo bom ou ruim a partir dessas comparações.
O que minha filha faz é um exercício de paridade de adolescente. Quando reclamo das notas baixas ela compara com os outros amigos. E conclui que o problema não é só dela, é da maioria. Portanto deve ser normal. E se é normal, não deve ser tão ruim... ?Ah pai, não exagera!?
Seu conceito de ?responsabilidade? ainda não amadureceu para entender que a normalidade não se determina pelo comportamento dos outros. Nem da maioria. Fosse assim, trezentos torcedores de um time trucidando um torcedor do time adversário seria normal.
E esse mau uso da paridade não é problema exclusivo dos adolescentes, não. Olhem o caso dos gastos com cartões corporativos do governo. Um escândalo que traz à luz mais uma vez um exercício da paridade dos adolescentes feito por adultos. Alguém apontou comportamento errado dos integrantes do governo? Compare com o governo anterior. Não importa se o PT governa desde 2003. Importa é ver se os outros também tiraram notas baixas: ?Ah, mas no tempo do FHC gastava-se mais!?. ?O mensalão foi criado na época do FHC! ?Só aceito CPI se ela cobrir também a época do FHC!?...
O Brasil é um país adolescente. Nossa democracia é adolescente. Mas nossos políticos são bem crescidos. Não podem usar justificativas adolescentes para seus atos. Ah, os problemas estão sendo encontrados? A CPI vai ser criada? A ministra já caiu? O ministro já devolveu o dinheiro? O governo está fazendo tudo pela moralidade? Temos transparência?
- Quando vocês vêm com o milho, já voltei com o fubá.
Mas digamos que tudo isso fosse verdade e que providências estão sendo tomadas. Ainda assim teríamos uma grande encrenca, pois o pior problema não dá pra contabilizar: o exemplo que está sendo passado para nossos filhos, de que os erros passados justificam ou atenuam os atuais.
Não justificam. Não atenuam.
Responsabilidade. É isso que explico todo dia para minha filha.
E haja milho...
* Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.
...